segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Raquel Finamor Cardoso, Luiz Henrique Rezende Maciel, Marco Antonio Villarta-Neder

Política e responsividade: os pontos de vista da mídia sobre o atentado do metrô em Londres
Raquel Finamor Cardoso - UFLA
raquelfinamor@yahoo.com.br
Luiz Henrique Rezende Maciel- UFLA
Marco Antonio Villarta-Neder - UFLA
Universidade Federal de Lavras

Introdução
No mundo globalizado a mídia tornou-se uma plataforma aberta, direta e rápida conectando e transmitindo através de imagens, legendas, textos e sons informações, acontecimentos retrospectivos, atuais e até prospectivos das notícias do cenário global.
            O poder da mídia em projetar e veicular uma notícia pode ser percebido na cobertura do atentado ocorrido no dia 11/09/2001, em que terroristas atingiram e derrubaram as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque nos Estados Unidos, os quais trouxeram à tona sentimento de insegurança, medo, vulnerabilidade e indignação. Uma série de novos atentados vem abalando a estrutura de diversos países e vem sendo explorados pela mídia, revelando que estes atos não são fatos isolados, mas sim reflexo de um ato com efeitos ininterruptos inserida em contextos ambientais, econômicos, históricos, políticos e sociológicos.
            Pretende-se discutir aqui, através dos conceitos de ato/evento/atividade de Bakhtin (SOBRAL, 2010), os enunciados discursivos no corpus - fotografia do atentado ocorrido no dia 7 julho de 2005, na cidade de Londres na Inglaterra, estabelecendo, para este corpus, análise semelhante feita para o atentado de 11 de setembro de 2001.Desse modo, a série enunciativa composta de imagem e legendas a ser analisada neste trabalho visa demonstrar como os discursos trabalhados sobre imagem e textos podem ajudar na caracterização e interpretação dos acontecimentos para a construção dos enunciadose como instaura-se o leitor na condição de co-participante da enunciação. Para Bakhtin o leitor/espectador/ouvinte não é alguém que recebe passivamente uma mensagem pronta, com sentido fechado:
A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o  grau  dessa atividade seja muito variável);  toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se o  locutor. A compreensão passiva das  significações do discurso ouvido é apenas  o  elemento  abstrato  de  um  fato  real  que  é  o  todo  constituído  pela  compreensão responsiva  ativa  e  que  se  materializa  no  ato  real  da  resposta  fônica  subseqüente.  (BAKHTIN, 1997: 291)

                        O que se diz acima a respeito de locutor e ouvinte pode-se transpor para as fotos e o texto escrito que representam a cobertura da mídia que constitui o corpus desta discussão. O espectador-leitor é também autor e essa autoria constituir uma atitude, uma atividade responsiva. O corpus escolhido é apresentado na figura 1.


Figura 1: Fotografia do atentado terrorista ocorrida em 07/07/2005 ao metrô de Londres – Inglaterra.
Fonte: Jornal Estadão – versão online (2008).

Análise da imagem fotográfica
Segundo Brait (2010, p. 98) a análise pela imagem na “[...] concepção de estilo, no sentido bakthiniano, pode dar margens a muitos mais do que a simples busca de traços que indiciem a expressividade de um indivíduo,” isto ocorre para Gregolin (2000, p. 22) pois as imagens, estando “[...] sujeitas aos diálogos interdiscursivos, elas não são transparentemente legíveis, são atravessadas por falas que vêm de seu exterior - a sua colocação em discursos vem clivada de pegadas de outros discursos.” No caso deste corpus, somente pessoas que residem naquele local ou que conhecem o prédio da fotografia, teriam a capacidade de associar o local ao incidente.
A fotografia ainda no permite supor através da luminosidade que o atentado ocorreu no período matutino ou diurno, este dado é confirmado pelas notícias vinculadas que o mesmo ocorreu na hora do rush. Outro fator perceptível são os destroços por todos os lados da rua, o que permite estabelecer pelos vestígios que realmente tratou-se de uma explosão. Já se tratando do posicionamento dos sujeitos na fotografia podem-se levantar algumas hipóteses como: no fundo encontra-se um homem como se estivesse correndo par pedir ajuda e/ou com medo procurando sair do local para se proteger.  Outro homem que se encontra mais ao fundo aparenta ser um profissional do resgate (usa uniforme azul marinho, capacete preto e uma capa amarela). Mais ao centro da fotografia encontra-se um homem deitado no chão, provavelmente uma vítima que sobreviveu ao atentado. Ao lado da vítima encontra-se um homem prestando os primeiros socorros e/ou tentando acalmar; esta relação pode ser percebida pelo fato dele estar posicionando suas mãos sobre a vítima. Mais duas pessoas se encontram próximas à vítima, uma mulher e um homem que parecem olhar nas diversas direções como se não acreditasse no ato que estavam presenciando. Mais adiante há três homens olhando o fato ocorrido que pelas suas expressões não remete a uma situação desespero ou pânico. No início aparece apenas parte de um homem, que deve estar pegando algo sobre o chão ou ajudando alguém que ali se encontra.
Caetano (2007) lembra que a imagem fotográfica não é somente aquela “[...] produzida pela máquina; a parte mais significativa da imagem é determinada pelas escolhas do fotógrafo, que têm que ser feitas, não obstante o automatismo das máquinas fotográficas actuais que permite a resolução dos mais diversos aspectos técnicos.” Deste modo ao analisar a imagem pode supor o posicionamento do fotógrafo, o ângulo da máquina, e o ponto de vista que essas escolhas determinam em termos de responsividade do espectador. A recepção deste não é passiva e mesmo um conceito aparentemente simples como a compreensão não cabe ser pensado fora da responsividade:
Qualquer  tipo  genuíno  de  compreensão  deve ser  ativo  deve  conter  já  o  germe de uma resposta. Só a compreensão ativa  nos  permite  apreender  o  tema,  pois  a  evolução  não  pode ser  apreendida  senão  com  a  ajuda  de  um  outro  processo  evolutivo.  Compreender  a  enunciação  de  outrem  significa  orientar-se  em  relação  a  ela,  encontrar  o  seu  lugar  adequado  no  contexto correspondente.  A  cada  palavra  da  enunciação  que  estamos  em processo  de  compreender,  fazemos  corresponder  uma  série  de palavras  nossas,  formando  uma  réplica.  (BAKHTIN, 2006: p. 127)

Análises e interpretações das legendas do corpus
Conforme Freire (2007), “muitas vezes a fotografia carece de uma explicação verbal que a ancore, que restrinja as possibilidades de significados disponíveis na visualização, daí a exigência de legendas nas fotografias”. Já Tavares (2006) diz que “as associações existentes entre texto e imagem possibilitadas pelas fotos em relação aos textos jornalísticos permitem várias associações mentais e dão margem a uma abertura de sentidos da mensagem fotojornalística, sem que a informação básica se perca.”
            O uso da data (07/07/2005) e do local (país - Inglaterra) permite ao leitor/ espectador da imagem delimitar em que época o evento ocorreu.Já se tratando do enunciado “homens bomba” pode ser compreendido como uma metáfora. Além disto, percebem-se características bakthinianas, segundo Sobral (2010), como a personificação, a questão de ser participativo e responsivo, ou seja, a expressão “homens bomba” já implica na suposição de que se refere a atentados praticados por grupos extremistas do oriente médio, uma vez os “homens bomba” são atribuídos a grupos terroristas desta região, sendo estes atores e causadores do incidente.
Já na expressão “quatro homens-bomba deixam 52 mortos,” pode-se presumir que eles se detonaram com a bomba, porém eles poderiam simplesmente ter praticado a ato, ou seja, ter ido ao local colocado a bomba e observado a explosão sem necessariamente terem atentado contra suas próprias vidas. Pode-se dimensionar e quantificar quantos sujeitos praticaram o ato e quantos não sobreviveram a este ataque, porém estes valores retratam a totalidade do atentando, não sendo possível afirmar quantos praticaram este ato no ônibus ou no metrô, nem quantos foram os mortos nestes respectivos lugares. A presença da palavra “simultâneos” sugere que os quatro homens-bomba realizaram o ataque em um período de tempos próximos.
Outra questão complementar é que na legenda do enunciado anterior apresenta que ocorreu na Inglaterra (país), agora este já limita que foi na capital de Londres. Percebe-se também que na frase que o atentado ocorreu “no metrô e em ônibus de Londres”, ou seja, a preposição “de” Londres apresenta sentido de posse, ou seja, que ambos pertenciam àquela cidade.
Analisando a frase Vítimas do atentando em Londres são resgatadas.”percebe-se que a  execução concreta do verbo resgatar não está sendo realizada, esta afirmação pode ser constatada pelos trajes das pessoas que compõem a fotografia trata-se de sujeitos comuns, provavelmente que estavam próximos ao local do evento e que começaram a prestar os primeiros socorros às vítimas naquele local. Pelos trajes formais e sociais, e visão parcial que se tem da rua supõe-se que era um local aonde trabalhavam, viviam pessoas de uma classe social mais favorecida.  A palavra “vítimas” não nos permite concluir se as pessoas encontram-se mortas ou vivas ou ainda qual o gênero delas (masculino e feminino). Também se pode deduzir pelo enunciado “vítimas do atentando” que as vítimas são do atentado e não de outro acidente.       Deste modo, as legendas do enunciado devem ser claras para evitar ambigüidades de sentidos a serem expressos, buscando sempre completar as imagens dos enunciados, permitindo que os receptores compreendam o conteúdo expresso pela mensagem.

Perspectiva bakhtiniana sobre atentados terroristas
Para Sobral (2010, p.29), “[...] a concepção de ato/evento/ atividade, os atos terroristas em questão não podem ser reduzidos unicamente à destruição ou danificação de edificações, e nem mesmo à morte de grande número de pessoas.” O autor enfatiza que a análise bakhtiniana “[...] busca apreender a totalidade do evento ‘atentado terrorista’, ou seja, o mencionado complexo emaranhado de razões históricas, sociológicas, pessoais, religiosas, econômicas etc,” na busca de compreender os aspectos de ato/evento/ atividade que envolvem o atentado. Mas que segundo Sobral (2010, p. 31) esta tentativa de explicação “[...] não justifica a morte de inocentes nem a irracionalidade dos atos, buscando na verdade mostrar a complexidade do objeto.” Assim Sobral (2010) ainda destaca que:
Assim, ao examinar esse ato dramático, deve-se ter o cuidado de não separar seu conteúdo (resultado) nem do processo por meio do qual foi realizado nem da rede de atos realizados pelas partes envolvidas que recorrem a diferentes representantes, dado ser no âmbito dessa rede, e do processo mediante o qual se realizou, que o ato em questão assume sentido. (SOBRAL 2010, p. 30).

 Assim, de uma perspectiva bakhtiniana os atentados terroristas podem:

[...] ser entendidos como enunciados terrivelmente concretos que advêm de e evocam outros atos igualmente concretos, e que, infelizmente, não parecem esgotar-se em sua uni-ocorrência como atos, mas, pelo contrário, se integram a redes de interlocuções de um evento de cujo começo se desconfia, mas cujo fim, se houver, não se pode prever. (SOBRAL 2010, p.31).

                Assim para analisar os discursos do corpus percebe-se que apenas a inter-relação de imagem e legendas na fotografia são insuficientes para retratar todas as variáveis existentes, aonde pela análise bakhtiniana Sobral (2010, p. 32) expõe que “uma análise centrada no conteúdo veria aí um cruel ataque isolado de terroristas loucos a civis inocentes e indefesos, ou um ataque da barbárie à civilização, ou então indícios da fragilidade do sistema doméstico de defesa norte-americano etc.” Porém Sobral (2010, p. 30) lembra que “[...] que não podemos descartar seus aspectos materiais, concretos, sob pena de fazer a análise cair na parcialidade, ou no relativismo [...].”
Deste modo, não se pode esquecer que tudo foi minuciosamente planejado, articulado e premeditado, ou seja, eles tinham conhecimento do local, horário, pontos estratégicos que queriam atingir, conhecimento sobre bombas, quantidade de explosivos, proporção do dano que almejavam alcançar, dentre outros.
Essa teia de signos (os terroristas, os edifícios, pessoas, cidades, as fotos, a mídia enquanto instituição, os suportes físicos ou virtuais das notícias) constitui uma exotopia, na qual há uma mútua responsividade. Os atos dos terroristas respondem à visão (política, ideológica) que eles têm do que consideram uma agressão geopolítica da política externa de potências ocidentais, lideradas pelos EUA, enquanto que, para estes últimos, os atentados também constituem uma responsividade que traz para a compreensão ativa dos atentados, a visão refratada na alteridade dos terroristas. E essa responsividade nunca deixará de ser política, porque o signo mesmo é dessa ordem de responsividade, dos conflitos e tensões do âmbito da ideologia.
O signo, se subtraído às tensões da luta social, se posto à margem da luta de classes, irá infalivelmente debilitar-se, degenerará em alegoria, tornar-se-á objeto de estudo dos filólogos e não será mais um  instrumento racional  e  vivo  para  a  sociedade.  (BAKHTIN, 2006: p. 38)

 Tensão de classes, segundo Bakhtin, mas que podemos ampliar para o embate entre papeis geopolíticos e ideológicos.

Considerações Finais
Este estudo buscou ressaltar através da análise do corpus como se estabelecem relações de responsividade, indissociáveis de ato/evento/atividade de âmbito político entre a mídia e os leitores. Foram discutidos alguns aspectos de como um enunciado (a cobertura fotográfica do atentado ao metrô de Londres) constitui uma rede de atos/eventos inscritos numa responsividade que é, sobretudo, política. Na impossibilidade de uma compreensão passiva, meramente decoficadora, o espectador interage politicamente com as tomadas de posição da mídia sobre o evento.

Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
_________________________________________. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12.ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
BRAIT, Beth. Estilo. In. BRAIT, Beth (org.). Bakhtin conceitos-chaves. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2010.
CAETANO, Ana. Práticas fotográficas, experiências identitárias: a fotografia privada nos processos de (re)construção das identidades. Sociologia. [online]. set. 2007, n.55,p.69-89.ISSN 0873-6529. Disponível em: <http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0873- 65292007000300005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 13 jun.2011.
ESTADÃO. Marcas do terror: dos ataques ao World Trade Center às bombas detonadas no metrô de Londres, veja os principais atentados terroristas da história recente. 2008. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/especiais/marcas-do-terror,29429.htm>. Acesso em: 26 maio 2011.
FREIRE, Eduardo Nunes. A influência do design de notícias na evolução do discurso jornalístico: um estudo de caso do jornal o Estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – UFBA, Salvador, 2007. Disponível em: < http://poscom.tempsite.ws/wp-content/uploads/2011/05/Eduardo-Nunes-Freire.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2011.
GREGOLIN, Maria do Rosário Valencise. Recitações de Mitos: a história na lente da mídia. In. GREGOLIN, Maria do Rosário Valencise; FANJUL, Adrián Pablo (Org.) et al. Filigranas do discurso: as vozes da história [1. ed.] São Paulo: Laboratório Editorial da FCL, UNESP, 2000. 229 p.
SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In. BRAIT, Beth (org.). Bakhtin conceitos-chaves. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2010.
TAVARES, F.; VAZ, P. Fotografia jornalí­stica e mí­dia impressa: formas de apreensão. Revista FAMECOS: mí­dia, cultura e tecnologia, Brasil, v. 1, n. 27, 2006. Disponível em: < http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/famecos/article/view/444. >Acessado em 17 jun. 2011.

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