segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Francismar Formentão

O movimento de conteúdo e forma no estudo da comunicação
Francismar Formentão
Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro)
fformentao@gmail.com

Ao estudar a comunicação, sua forma e seus conteúdos, temos na mediação o processo que instaura a linguagem, e o signo ideológico representa um elo dinâmico na interação e na socialização do homem e é fator fundamental da ação material que transforma o próprio homem e a natureza. Os signos assumem forma e conteúdo, conduzindo o sentido para a materialização dos processos de comunicação.
A comunicação situa-se como um espaço de produção de discursos que se instaura no dialogismo, que “o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso” (BARROS. In: FARACO et al, 2001, p. 33). Como gênero, assume esferas e campos de circulação e significação que recriam em signos uma materialidade específica da realidade, uma mediação da mediação.
Assim, a totalidade se determina historicamente nas mediações e pelas mediações “pelas quais suas partes específicas ou complexas – isto é, as ‘totalidades parciais’ – estão relacionadas entre si, numa série de inter-relações e determinações recíprocas que variam constantemente e se modificam” (BOTTOMORE, 1988, p. 381). Ou seja, as esferas/campos que se dialogizam, estabelecendo conteúdo e forma sígnica na produção de sentido.
O conceito de esfera da comunicação discursiva (ou da criatividade ideológica, ou da atividade humana, ou da comunicação social, ou da utilização da língua, ou simplesmente da ideologia) está presente ao longo de toda a obra de Bakhtin e de seu Círculo, iluminando, por um lado, a teorização dos aspectos sociais nas obras literárias e, por outro, a natureza ao mesmo tempo onipresente e diversa da linguagem verbal humana.  (GRILLO. In: BRAIT, 2006, p. 133-134).

Assim, a comunicação mediada, um processo de trânsito de conteúdos e formas, supera a linguagem a fim de um sentido, ou a superação da própria forma para a conclusão de um novo discurso, evidencia a obediência de uma lógica criativa, “uma lógica imanente da criação”, com os valores da produção de sentido, o contexto do “ato criador” em uma interação constante, fluída e em devir axiológico
[...] antes de tudo precisamos compreender a estrutura dos valores e do sentido em que a criação transcorre e toma consciência de si mesma por via axiológica, compreender o contexto em que se assimila o ato criador. A consciência criadora (...) nunca coincide com a consciência lingüística, a consciência lingüística é apenas um elemento, um material (...). (BAKHTIN, 2003, 179).

O conteúdo apresenta os elementos do mundo da vida, forjado em parâmetros éticos e cognitivos. Interligado, conteúdo e forma são mutuamente condicionados, produzindo sentido na própria criação. A atividade estética agrega sentidos de forma acabada, e auto-suficiente. Trata-se de um ato que passa a existir em um novo campo axiológico, num devir da interação comunicativa. Assim, o material também se condiciona com forma e conteúdo, em que o signo é o meio de expressão; o material deve ser superado, aperfeiçoado num contexto de criação em que forma e conteúdo revelam o signo em sua superação, numa mediação social.
Para compreender a comunicação e sua relação com o signo ideológico, Bakhtin determina que o signo sempre precisa ser pensado na sua materialidade, não separando a ideologia desta realidade material, integrando-o às formas concretas da comunicação social organizada e também não dissociando a comunicação e suas formas da base material da sociedade (BAKHTIN, 1995, p. 44).
Para Bakhtin, o embate ideológico localiza-se no centro vivo dos discursos, seja na forma de um texto artístico, seja com intercâmbio cotidiano da linguagem. Na vida social do enunciado (seja ela uma frase proferida verbalmente, um texto literário, um filme, uma propaganda ou um desfile de escola de samba), cada “palavra” é dirigida a um interlocutor específico numa situação específica, palavra essa sujeita a pronúncias, entonações e alusão distintas. (STAM, 2000, p. 62).

Constituímos campos sociais, esferas de circulação criativa de signos, ou comunidades semióticas, importando os significados das palavras e seu conteúdo ideológico, ou sentido constituído na interação. O sentido refratado e refletido signicamente tem nas marcas ideológicas a materialização das esferas e dos campos sociais, demonstrando objetivamente a forma ideológica determinada por um horizonte social de uma época (espaço/tempo) e de um grupo social que carrega um índice de valor (conteúdo) (BAKHNTIN, 1995, p. 44). Juntos, forma e conteúdo, na interação social, produzem sentido ideológico que, na sua época, axiologicamente tenciona as tramas das diversas esferas ideológicas e dos campos sociais.
Assim, não podemos separar conteúdo-forma e processo, eles são condição de interação e entendimento deste processo e a posição material do humano na linguagem. Excluir a dimensão histórica e social, desconsiderar a relação conteúdo e forma, promove simplificações e pensamentos superficiais. Não podemos falar de conteúdo sem falar da forma que determina este conteúdo, não podemos falar de comunicação sem falar de linguagem que é o suporte material de toda a comunicação.
O campo do ato ético é o próprio mundo dos acontecimentos. Nosso inacabamento faz definirmos o “presente como consequência de um passado que construiu o pré-dado e pela memória de um futuro com que se definem as escolhas no horizonte das possibilidades” (GERALDI, p. 47, 2003). Produzimos acabamentos provisórios que atendem a uma necessidade estética de totalidade, e este acabamento sempre nos é dado pelo Outro, pela criatividade e não por respostas, pois a vida é um acontecimento ético e estético sempre aberto, não comporta resposta e nem solução, não comporta acabamentos.
É na alteridade que os indivíduos se constituem. O ser se reflete no outro, refrata-se. Quando o indivíduo se constitui também está em constante transformação, cada indivíduo representa um momento único de interação pela comunicação e linguagem, existindo um constante devir. Assim, não somos isso ou aquilo, estamos sempre sendo. Este processo não surge da própria consciência, e sim da consolidação social e histórica das interações, das palavras, dos signos. A alteridade está sempre relacionada com a pluralidade, polissemia, muitas vozes e com a ideologia. “É impossível alguém defender sua posição sem correlacioná-la a outras posições” (BAKHTIN, 2003, p. 297), a posição, as opiniões, visões de mundo e consciência são partes da identidade do individuo, se constituem do movimento de relações entre discursos dialógicos e valorativos com outros sujeitos, outros discursos, ou com a própria cultura ou diversas culturas. A alteridade é fundamento da identidade. É pelo outro que nos constituímos e nos transformamos. “Toda refração ideológica do ser em processo de formação, seja qual for a natureza de seu material significante, é acompanhada de uma refração ideológica verbal, como fenômeno obrigatoriamente concomitante.” (BAKHTIN, 1995, p. 38).
A concepção dialógica da criação verbal engloba a relação vida/cultura, o real concreto, a formação da consciência dos indivíduos e a materialidade sígnica de todas as produções humanas dotadas de valor; descentraliza o sujeito e o reconduz à situação de agente ativo em interação constante e fluída, um sujeito responsivo e responsável. Nessa concepção, a mediação é integrante teórico-prático no plano volitivo-emocional e ético-cognitivo, unindo o mundo sensível e o mundo inteligível em conteúdo-forma-processo.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: contexto de François Rebelais. São Paulo: Hucitec. 1987.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, Mikhail. Discurso na vida e discurso na arte: sobre a poética sociológica. In: Freudism – a marxist critique.  Tradução de FARACO, C. e TEZZA, C. (UFPR) para fins didáticos. New York: Academic Press, 1976.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1995.
BAKHTIN, Mikhail. O freudismo: um esboço crítico. São Paulo: Perspectiva, 2004.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Editora UNESP, 1998.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Contribuições de Bakhtin às teorias do texto e do discurso. In: FARACO, Carlos Alberto et alii. Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora da UFPR, 2001.
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
GERALDI, João Wanderley. A diferença identifica. A desigualdade deforma. Percursos bakhtinianos de construção ética e estética. In: FREITAS, Maria Teresa; SOUZA, Solange Jobim e; KRAMER, Sonia. (orgs.). Ciências humanas e pesquisa: leituras de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2003.
GRILLO, Sheila V. de Camargo. Esfera e campo. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006.
PONZIO, Augusto. A revolução Bakhtiniana: o pensamento de Bakhtin e a ideologia contemporânea. São Paulo: Contexto, 2008.
SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.
SOBRAL, Adail. Ético e estético. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.
SOBRAL, Adail. Filosofias (e filosofia) em Bakhtin. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.
STAM, Robert. Bakhtin: da teoria literária à cultura de massa. São Paulo, Ática, 2000.

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