segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Elizabeth Orofino Lucio

A REDE NACIONAL DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA E SEU PROGRAMA PRÓ-LETRAMENTO: AS POLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE COMO AÇÃO RESPONSÁVEL E RESPONSIVA
Elizabeth Orofino Lucio
orofinolucio@gmail.com
Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRJ/LEDUC

Introdução

No cenário educacional nacional, as novas políticas governamentais educacionais têm como alicerce a educação á distância. Dessa forma, nesta modalidade de educação um novo elo na formação do professor da educação básica instaura-se, destacando-se uma posição específica de quem recebe a formação e deverá em seguida dela ser autor: a figura do tutor.
Destacamos a importância da atuação do tutor no contexto da EAD, pois seu papel é essencial para o desenvolvimento de cursos que apresentem alto nível de qualidade e excelência de ensino. Observamos que, devido ao desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e ás reformas educacionais, há um impulso na EAD e o papel do tutor desdobra-se em leque de possibilidades, especificamente na formação de professores, pois “ ensinar a ensinar requer estratégias mais complexas e demoradas do que as disponibilidades de capacitação oferecem. (GATTI &BARRETO, 2009)

Tecendo o tempo: A Rede Nacional de Formação Continuada de Professores e o Programa Pró-letramento

No campo educacional brasileiro a normatização efetiva da formação continuada docente ocorreu por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9394/96 (Brasil, 1996) que estipula em seu artigo 67 que os sistemas de ensino deverão promover a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério, aperfeiçoamento profissional contínuo. A tarefa do poder público nesta questão discorre que “o Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância em todos os níveis e modalidades de ensino e de educação continuada”, e nas disposições transitórias do artigo 87, parágrafo 3º. , inciso III, em que se explicita o dever de cada município de realizar “programas de capacitação para professores em exercício, utilizando, também, para isto, os recursos da educação a distância”.
A ordem do dia na política educacional na questão do formato da produção da formação de professores está inscrito em estratégias de educação a distância (EAD). Posto isto, a portaria N°
1.403, de 9 de junho de 2003, instituiu o Sistema Nacional de Certificação e Formação Continuada de Professores, que, em consonância com o documento de política educacional publicado em 1999 pelo Banco Mundial, intitulado “Education Sector Strategy” (Estratégia de Setor de Educação-World Bank, 1999), endossa a ênfase em relação à educação básica, o treinamento de professores, a avaliação em larga escala e a educação a distância.
A publicação da Portaria causou polêmica em âmbito nacional, as diversas entidades educacionais, tais como a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPED), o Fórum de Diretores de Faculdades/Centro de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR), o Congresso Nacional de Educação (CONED) e o Fórum em Defesa da Escola Pública, através da 2ª Carta Protesto denominada -Formar ou Certificar?-Muitas questões para Reflexão, denunciavam que “A proposta de ‘avaliação’ do governo, neste e em outros casos, continua sem referência no projeto político-pedagógico de cada instituição e no contexto social.
A Portaria nº 1.403, apesar das críticas de inserção numa medida de desempenho docente meritocrática, continuou em vigor e a constituição da Rede Nacional de Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação, a ser integrada por centros de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços para as redes públicas de ensino, em uma ou mais áreas de especialidade, instalados em instituições universitárias brasileiras selecionadas por meio de edital público e apoiadas pelo MEC, tem sua efetivação por meio da divulgação do edital n° 01/2003 – SEIF / MEC, difundindo as diretrizes para o encaminhamento de propostas das universidades para o Ministério da Educação.
Dando continuidade a política educacional do governo, por meio da Portaria 1.472, de 7 de maio de 2004, instituiu-se o Sistema Nacional de Formação Continuada de Professores. Em março de 2005, o Senado votou o plano de qualidade para a educação brasileira, que incluía a criação do Sistema Nacional de Formação de Professores. Institui-se então a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica, integrando centros de pesquisas de várias universidades que estavam credenciados pelo MEC como centros de formação e assim desenvolveriam materiais didáticos diversos, fundamentados e validados, destinados aos docentes da educação básica em serviço.
O programa Pró-letramento encontrava-se inserido no programa de qualidade do Ministério da Educação e “trata-se de um programa de atualização de conteúdos em Língua Portuguesa e em Matemática para os professores das séries iniciais do Ensino Fundamental. Justamente as duas áreas em que os estudantes avaliados pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB – mostraram as suas imensas dificuldades.”
Destacamos que a proposta do programa surge em um momento polêmico em que a câmara dos deputados, por meio de sua comissão de Educação, após ter constituído um grupo de trabalho integrado por especialistas nacionais e estrangeiros, recebe o relatório que analisou a situação da alfabetização no Brasil. O relatório intitulado Alfabetização Infantil: os novos caminhos expõe de forma objetiva o uso sistemático do método fônico. (BRASIL, 2004).
Planejado para ser realizado a distância, o programa Pró-letramento utiliza-se de material impresso que são os fascículos do programa, vídeos e atividades presenciais conduzidas por professores orientadores, chamados de tutores locais, preparados para a função em encontros de formação. Esses encontros são dinamizados por profissionais dos Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação, especificamente na área de Alfabetização e Linguagem, das seguintes universidades : Universidade Federal de Minas Gerais , Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Estadual de Campinas  , Universidade de Brasília e Universidade Estadual de Ponta Grossa. As equipes de pesquisadores desses centros são responsáveis pelas ações de formação em diversas regiões do Brasil que se fundamentam nos materiais de formação.

O fio teórico-metodológico: A perspectiva Bakhtiniana
A perspectiva teórica decorre do problema aqui delimitado, pois entender a constituição do programa, em tempos que o centro das discussões coloca a educação a  distância como “modelo” da formação inicial e continuada de professores, implica o entendimento de que a formação de professores dá-se em um processo histórico.
Ter como referencial teórico os estudos bakhtinianos implica no reconhecimento do papel da linguagem na constituição dos sujeitos e, também, na necessidade de uma análise dos processos discursivos que ocorrem nas diversas esferas de atividade humana, como uma possibilidade de compreensão das diferentes visões de mundo que orientam os sujeitos numa sociedade.
De acordo com Bakhtin (1993), a linguagem é “o produto da atividade humana coletiva e reflete em todos os seus elementos tanto a organização econômica como a organização sóciopolítica da sociedade que o tem gerado”. Conforme explica o pensador russo, o homem, na tentativa de dominar a natureza, interage com ela e com outros homens. Transforma e transforma-se, criando significações e sentidos. Assim, a linguagem constitui-se, para Bakhtin (1993), como uma produção social da vida humana, refletindo os elementos e as contradições de sua organização econômica, política e social.
Segundo os pressupostos bakhtinianos, o objeto das ciências humanas é o sujeito que fala; dessa forma, o texto é a única realidade imediata sobre a qual as ciências humanas podem se debruçar: “Onde não há texto não há objeto de pesquisa e pensamento” (BAKHTIN, 2003). O texto aqui é entendido em sua forma concreta, em suas condições concretas de vida, isto é, como enunciados.
O enunciado é a unidade do discurso, ou seja, da “língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto da lingüística, obtido por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso” (BAKHTIN, 2008). O enunciado, por sua vez, comporta traços constituintes, os quais permitem a sua compreensão e análise.
A compreensão do enunciado ocorrerá apenas no seu entrelaçamento com a situação de interação social na qual foi produzida. Para Bakhtin, a situação não é vista como algo que envolva o enunciado, mas como parte constituinte; do mesmo modo, não se resume ao contexto imediato da enunciação, pois se inscreve numa realidade social, historicamente construída. Portanto, o enunciado comporta uma dimensão verbal e extraverbal. O horizonte extraverbal é constituído por três aspectos: o espaço e tempo no qual os enunciados são produzidos, o tema do qual o enunciado trata, a atitude valorativa dos participantes da situação de comunicação.
Na produção e análise de um enunciado está implicada a sua orientação social, o que significa que um enunciado é sempre dirigido a outro, esse endereçamento vai considerar, a relação sociohierárquica existente entre os interlocutores. É, portanto, no terreno do outro que enunciador constrói o seu enunciado, levando em conta a imagem que faz de seu destinatário.
Portanto, para entender determinado discurso sobre o programa, não basta analisarmos os aspectos sintáticos léxico-semânticos do discurso. Conhecer a significação das palavras que o compõem depende, também, de conhecermos os elementos que fazem parte da situação extraverbal, ou seja, a finalidade do discurso, o momento histórico em que foi produzido, o caráter ideológico do discurso, a identidade dos interlocutores, os discursos dos outros que se entrecruzam no interior do texto, o contexto comunicativo no qual foi produzido.
Circunscrevendo, então, nosso trabalho no princípio dialógico que norteia uma pesquisa qualitativa numa abordagem sócio-histórica, buscamos ouvir e entrelaçar as vozes dos professores tutores por meio de entrevista coletiva e analisar os discursos, documental e docente, que ecoavam no meio do programa, acerca do professor tutor e da sua efetivação na prática pedagógica das secretarias de educação do Rio de Janeiro.
Como nenhum enunciado é inaugural, ele sempre trará em seu escopo marcas dos enunciados que o antecederam. Nesse sentido, Bakhtin aponta que todos os nossos discursos são plenos de palavras alheias, as quais guardam em si a experiência e o tem valorativo do outro, que assimilamos, reelaboramos e reacentuamos conforme a nossa própria experiência. Esta assimilação das palavras de outrem adquire um sentido mais profundo na formação da consciência ideológica do homem, procurando definir as bases de nossa atitude em relação ao mundo e de nosso comportamento, funcionando como palavra autoritária ou palavra internamente persuasiva (BAKHTIN, 1998).
O conceito de enunciado e sua constituição alicerçam a análise que apresentaremos. A partir das considerações expostas, entendemos o “saber docente como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”. (TARDIF,2002)
Tendo em vista que a nossa pesquisa visa à compreensão da especificidade da experiência do trabalho do tutor na formação de professores alfabetizadores, entendemos que podemos compreender tais sentidos a partir das marcas discursivas presentes nos enunciados docentes.

Inacabando

Num clima de disputa e tensão, o programao inaugura a constituição de uma política governamental de formação continuada de professores, em que o contexto histórico-social realça o caráter político, ideológico e social das práticas de leitura e escrita. Por essas razões, podemos dizer que o conceito de letramento encontra-se em construção no Brasil. Assim, o Programa Pró-Letramento, ou seja, “a favor do letramento”, marca uma ação responsiva e responsável de uma diretriz educacional para as políticas educacionais de formação continuada de professores alfabetizadores no período em que a defesa do retorno ao método fônico fez-se presente no cenário nacional.
A perspectiva do conceito de letramento no Brasil evidencia que temos privilegiado a esfera da educação, considerando o letramento sempre em relação à alfabetização. O grande desafio do tempo presente é conhecer os usos da leitura e da escrita das camadas que estão nas escolas públicas brasileiras para além dos muros da escola e das avaliações e, assim, efetivar o ensino da leitura e da escrita.

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