segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Neiva de Souza Boeno e Paulo Henrique Leite de Oliveira

Relendo bakhtin[1]
Sistema de integração ppp/pde[2]: ferramenta que possibilita a reflexão sobre a práxis humana na contemporaneidade e que requer ato responsivo.
Neiva de Souza Boeno[3]
Paulo Henrique Leite de Oliveira[4]

Em todas as esferas da atividade humana, atendendo às exigências da pós-modernidade, ao advento das novas tecnologias e aos princípios da sustentabilidade, existem ferramentas que colaboram na sistematização, organização e gerenciamento das dimensões em torno das atividades, para sua funcionalidade e melhoria nos procedimentos necessários ao cumprimento das finalidades a que se destinam.
Não seria diferente das ferramentas desenvolvidas e implantadas como políticas públicas na esfera educacional, por meio da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso / SEDUC. Dentre essas ferramentas, tomaremos como objeto de análise o Sistema de Integração PPP/PDE, um software que auxilia e orienta os gestores das escolas públicas estaduais na elaboração e revisão do Projeto Político-Pedagógico (PPP), e consequentemente no planejamento estratégico e participativo do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), partindo dos pressupostos definidos no PPP, considerando os recursos recebidos pelas escolas.
Pensar, discutir e refletir sobre as dimensões do PPP, instrumento de gestão pública de suma importância, requer a compreensão das concepções trazidas pelas leis que regem a Educação, assim como das concepções oriundas da constituição individual dos sujeitos atores de cada unidade escolar e de todos os partícipes que compõem a comunidade local.
Primeiramente, é preciso considerar que as escolas públicas estaduais estão vinculadas ao sistema de administração pública, visto que as Unidades Executoras, de natureza jurídica, gerenciam o orçamento financeiro descentralizado das Secretarias Estaduais. Para tanto, os princípios da administração pública devem ser observados pelos profissionais da esfera educacional, são eles, conforme o Art. 37, da Constituição Brasileira (1988): legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Todos eles perpassam pelo pensar e fazer individual, o que reflete os atos responsivos na sociedade.
A metodologia empregada pelo sistema traz à tona algumas mudanças de paradigmas, exigência da contemporaneidade e que requer atos responsivos dos atores, tanto das unidades concentradas do órgão Central (Seduc), quanto das unidades desconcentradas, que estão presentes nos Centros de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica do Estado de Mato Grosso – Cefapro’s, nas Assessorias Pedagógicas e nas unidades escolares.
O software foi pensado, desenvolvido e finalizado em cinco anos. Implantado neste ano, 2011, porém sem acabamento. O que pressupõe a implementação contínua nos processos de melhorias para o atendimento às escolas públicas. O que significa também que cada sujeito envolvido e que passa a conhecer e a utilizar a ferramenta, torna-se autor e coautor, influenciando e imprimindo sua autoria, conforme as necessidades, especificidades e diversidade da localidade, de sua identidade.
É preciso considerar neste contexto que, quase sempre, ações implantadas como política pública, que vêm ao encontro das melhorias para uma coletividade, são vistas como impositivas, devido às mudanças de atitudes que são necessárias para sua efetividade, provenientes das teorias adjacentes e subjacentes imbricadas na nova política. Porém, é necessário refletirmos sob outra ótica: não há possibilidade de se esperar que todos os envolvidos estejam formados conceitualmente, nem convencidos das possibilidades de melhoria que poderão advir de determinada ação política.
Contudo, é primordial compreendermos que toda ação é política, constituída de valores éticos e estéticos, de tomada de posição frente a um determinado evento-único, nesta análise, o evento único é a implantação do Sistema de Integração PPP/PDE.
Temos e continuaremos a ter vozes contrárias a tal implantação, visto que dependerá exclusivamente do comprometimento do sujeito, em ser ativo e responsivo com suas funções públicas, ou por vezes, pela singularidade do desconhecimento intelectual, sem a articulação da teoria à prática, que resultaria numa nova práxis humana.
O sucesso dos encaminhamentos e das relações tendo em vista a formação continuada complementar ao currículo inicial, o convencimento e as mudanças esperadas ocorrerão nos movimentos dos processos e da vida, visto que ela é dinâmica e dialógica e se dá na interação com o outro. A construção é coletiva e o caminho está por ser construído.
Vejamos os princípios norteadores das mudanças de paradigmas retomados pelo Sistema de Integração PPP/PDE e, pelos quais, todos os profissionais da educação de Mato Grosso poderão refletir e, quem sabe, brevemente, incorporar em suas práticas.
As mudanças de paradigmas que são emergentes ao sistema correspondem:
1.    Orientação
Referente à necessidade de mudança do tipo de relação do órgão central com as unidades escolares e vice-versa. A relação torna-se mais próxima e a orientação demandada deixa de ser um olhar de “controle” para um olhar pedagógico de apontamentos, de orientação que propõe a reflexão e o avanço no trabalho coletivo de revisão ou elaboração do PPP, bem como do planejamento estratégico e participativo. Desta forma, a relação entre órgão central e unidades escolares se torna mais horizontalizada.
2.    Flexibilidade
Corresponde à flexibilidade no planejamento das ações e procedimentos referentes ao Plano de Desenvolvimento da Escola, que antes era realizado como plano de aquisição e de forma linear. Isto é, possuía etapas estanques (formulação, execução, avaliação e revisão). Hoje, o planejamento orienta-se pelo Ciclo de Gestão, que a todo o momento pode ser avaliado e revisado, ajustando-se às mudanças ou a uma nova análise da realidade para que se atinja a meta estabelecida no coletivo.
3.    Olhar holístico
Corresponde ao olhar sobre os dados levantados no Diagnóstico e a leitura que se faz desses dados para o planejamento estratégico que atenda a função primordial da escola que é formar sujeitos na sua totalidade, de forma integral, de forma holística. A ferramenta proporciona o olhar holístico sobre os processos complexos e as dimensões que a escola está subordinada. Dado a complexidade, bem como, a multiplicidade de fatores que envolvem a gestão educacional, exige-se para sua compreensão e desenvolvimento da qualidade da educação uma visão mais ampla. Compreender é um ato responsivo.
4.    Participação
Refere-se à mudança de comportamento dos sujeitos da comunidade local, a necessária tomada de posição frente ao levantamento das concepções e diagnóstico da realidade escolar para que sejam definidas ações, na coletividade, garantindo as vozes dos vários segmentos, em prol da melhoria da aprendizagem dos alunos.
5.    Unidade
Trata-se da necessidade de construção de relações democráticas entre órgão central e unidades escolares com compartilhamento de responsabilidade e fortalecimento de orientações comuns baseadas no cumprimento de normas, leis, princípios e diretrizes. Com isto, procura-se garantir condições para construção da autonomia competente das unidades escolares, bem como, garante a unidade do sistema, sem, contudo, deixar de observar as especificidades e diversidades existentes.
6.    Sustentabilidade e Publicidade
Por ser um sistema online, os instrumentos de gestão PPP/PDE poderão ser consultados pela comunidade, quando finalizados pelos gestores escolares, via web, não necessitando da impressão, o que atende aos princípios de conservação e preservação do mundo.
7.    Fluxo
Corresponde ao conhecimento dos instrumentos de gestão PPP/PDE, que antes apenas se dava pelas escolas (por vezes, apenas alguns profissionais) e pelo Conselho de Estado de Educação de Mato Grosso, por questões de autorização e credenciamento. Sua finalidade era apenas burocrática. Hoje, o fluxo passará pelo acompanhamento e assessoramento dos profissionais da SEDUC, Cefapros e Assessorias Pedagógicas com o objetivo de colaborar na revisão e elaboração dos instrumentos com autoria e identidade, em consonância com os documentos oficiais da Educação e com os princípios pedagógicos estabelecidos como política pública.
8.    Visão Integradora
As dimensões propostas na ferramenta online propõem a reflexão e a articulação entre teoria e a prática na perspectiva da transformação. Sabemos que essa concepção também precisa ser exercitada e difundida, e cada sujeito envolvido assumirá tal postura em seu tempo. As finalidades, os objetivos, as concepções que os sujeitos da comunidade escolar e profissionais da SEDUC, Cefapro’s e Assessorias Pedagógicas tomam para si serão o fio condutor da nova práxis frente à implantação dessa nova política pública.
O sistema, ora referenciado, apresenta-se em três grandes movimentos (figura 1), levados em consideração pela dinamicidade da vida e sua organização, que obedecem a um ciclo de gestão[5]. Os sujeitos responsáveis deverão pensar, discutir, refletir, analisar, responder, avaliar, planejar e retomar todas as atividades cognitivas que forem necessárias à revisão ou elaboração do PPP, documento que deixa transparecer a identidade da coletividade e mostra dados, quantitativos e qualitativos, para que a Secretaria de Estado de Educação e o governo possam estabelecer metas para auxiliar as escolas no cumprimento das finalidades a que se destinam.




O Marco Referencial apresenta questões orientadoras que promovem a reflexão do coletivo e que pretende unir as vozes de todos os segmentos da realidade escolar, sejam professores, alunos, pais e funcionários. Sabemos que as concepções de cada sujeito ator da comunidade, levantadas numa plenária, podem ser conflituosas, porém o consenso da coletividade é o exercício do diálogo, com vista à solidariedade, cooperação, humanidade, conceitos relacionadas à alteridade e ao dialogismo, segundo as concepções bakhtinianas.
Após elaborado o enunciado do Marco Referencial, com base na realidade local, nos desejos de escola que se quer construir e do que é necessário estabelecer como mediação, teremos a tessitura de enunciados concretos constituídos na relação das vozes desses atores comprometidos e responsáveis pela ação e transformação da comunidade escolar. Nesse primeiro movimento, temos as concepções e a identificação do referencial de escola que se deseja pela comunidade escolar, geralmente, essa construção poderá permanecer de 3 a 4 anos sem grandes reformulações.
Claro que o caminho para tal avanço e elaboração autoral está em construção, em processo, e cada vez mais dependerá do desprendimento de cada profissional da esfera educacional.
Já no segundo movimento, os sujeitos da unidade escolar, coordenados pela equipe gestora, também refletirão com base nas questões orientadoras, divididas em 07 (sete) dimensões (fig.2), e levantarão os dados da realidade escolar. Dados que representarão a realidade, porém que não são a realidade. A leitura que se fará desses dados levantados terá como base a leitura de mundo e de vida do grupo sistematizador que fará a síntese da coletividade e postará no sistema online. Como se tratam de dados, esse segundo movimento deve ser retomado anualmente.
Por fim, temos o terceiro movimento que corresponderá ao planejamento estratégico, com base nos dados levantados, sejam quantitativos ou qualitativos, que retrataram a realidade atual da unidade escolar e que serão os insumos para a definição das ações financiáveis ou não, para o alcance do referencial que foi construído no coletivo, do ideal que se pretende para aqueles sujeitos envolvidos e ativos da comunidade escolar. A responsabilidade pela definição, mediação e ação é de todos os sujeitos, que são seres políticos, situados no mundo, num determinado contexto e por si respondem a cada movimento. A vivência não tem álibi, portanto, os valores éticos e estéticos, os comportamentos sociais, as relações constituem o dialogismo que é de natureza social.
Segundo Bakhtin:
O ato responsável é, precisamente, o ato baseado no reconhecimento desta obrigatória singularidade. É essa afirmação do meu não-álibi no existir que constitui a base da existência sendo tanto dada como sendo também real e forçosamente projetada como algo ainda por ser alcançado. É apenas o não-álibi no existir que transforma a possibilidade vazia em ato responsável real. (Bakhtin, 2010: 99)

Trabalhar com a questão da alteridade, com o foco no outro que é um sujeito constituído na relação dialógica e a constituição de um discurso por meio de várias vozes, é um princípio fundante da arquitetônica linguística de Bakhtin. As palavras e os pensamentos se instauram pelas várias vozes. Assim é o dialogismo. É o humano se constituindo e embasando o pensar e o fazer.
Acreditar na capacidade transformadora dos sujeitos, mesmo nas questões adversas, desconhecidas e desacreditadas, é o princípio norteador dessa ação política. O que se tem hoje, o que se construiu hoje, foi construído com base nos conhecimentos prévios de vários sujeitos autores, que construíram a ferramenta com novas ideias, novas concepções, novas atitudes derivadas de processos da relação de um com o outro.
A ferramenta está a serviço de quem a utiliza e só terá sentido e valor se houver o exercício, o ato da consciência e da realização com vontade, estabelecendo-se o compromisso. Engano pensar que a construção do novo não envolverá angústias, ansiedade, contrariedade, etc. Esse é o grande desafio, localizarmos onde estamos (situacional) para pensarmos o que desejamos (ideal) e realizamos as ações responsivas (mediação) para alcançarmos a referência almejada.
A atitude de todos os profissionais envolvidos implicará na postura ético-política que transcenderá ao simples exercício do cotidiano, incorporando-se num plano de vida, de projeto que almeja a transformação da realidade próxima, e, ao alcance de uma sociedade melhor.
Frente à ferramenta online orientadora, como uma ação enunciada de política pública, espera-se como atitude responsiva dos formadores, assessores e técnicos lotados na SEDUC a mediação na compreensão das concepções, e, dos gestores das escolas públicas estaduais, a elaboração ou revisão reflexiva e coletiva do Projeto Político-Pedagógico, além de se sentirem partícipes do processo e dos movimentos em sua totalidade.
Bakhtin, em sua extensa obra, caracteriza a vivência do humano pela concepção dialógica da linguagem, da vida e dos sujeitos. Para finalizarmos, vale destacar também que nas concepções de Bakhtin, o ato envolve essencialmente responsabilidade ética. Acreditamos que é na interação que o sujeito torna-se responsivo.

REFERÊNCIAS:
ARAUJO, R. M. de L. A filosofia da práxis e ensino integrado: uma questão ético-política. Artigo resultante das ações de pesquisa integradas no Projeto “Práticas Formativas em Educação Profissional no Estado do Pará: em busca de uma didática da educação profissional”, financiado pelo CNPq, 2010.
BAKHTIN. M. Os gêneros do discurso. In BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
_______ (V. N. Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1986.
_______ Para uma filosofia do Ato Responsável. [Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco]. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.
LÜCK, HELOÍSA. Gestão Educacional. Uma questão paradigmática. Petrópolis: Editora Vozes, 3ª edição, 2006.
MARÇAL, Juliane Corrêa. Progestão: como promover a construção coletiva do projeto pedagógico da escola? Módulo III. Brasília: CONSED, 2001.
MOREIRA, Ana Maria de Albuquerque. Progestão: como gerenciar os recursos financeiros? Módulo VI, Brasília: CONSED, 2009.
PONZIO, A. Filosofia moral e filosofia da literatura. In: A revolução bakhtiniana. Trad. Valdemir Miotello. São Paulo: Contexto, 2008.
VASCONCELLOS, Celso S. 4a Parte: Projeto Político-Pedagógico. In Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico, 15a ed. São Paulo: Libertad, 2006.



[1] Relendo Bakhtin (REBAK) é um Grupo de Estudo coordenado pela professora doutora Simone de Jesus Padilha e que tem a participação de alunos da pós-graduação em Estudos de Linguagens do MeEL-UFMT.
[2] Software implantado em 2011, pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC), como política pública, que orientará às unidades escolares a revisarem e (re)elaborarem o Projeto Político-Pedagógico (PPP) e o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE).
[3] Integrante do grupo Relendo Bakhtin (REBAK), formada em Letras pela UFMT, professora efetiva da rede pública, atualmente lotada na Coordenadoria de Ensino Médio, da Superintendência de Educação Básica/SEDUC, e compõe a Comissão Técnica e Pedagógica do Sistema de Integração PPP/PDE.
[4] Gestor Governamental, formado em Direito, atualmente lotado na Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, como Assessor de Articulação de Políticas Públicas, e integra a Comissão Técnica e Pedagógica do Sistema de Integração PPP/PDE.
[5] Ciclo de gestão é a forma de planejar que considera os momentos de formulação, execução, avaliação e revisão não como etapas estanques e separadas, mas, como momentos que ocorrem muitas vezes simultaneamente. Quando se planeja, deve-se refletir acerca dos problemas que poderão ocorrer na execução; no momento da execução, deve-se constantemente avaliar as ações, e, caso sejam insuficientes ou não estão correspondendo aos objetivos almejados, tais ações ou procedimentos devem sofrer as devidas revisões.

Nenhum comentário:

Postar um comentário