quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Bruna Sola Ramos

A Conferência Nacional de Educação: espaço de “respostas responsáveis”?
Bruna Sola Ramos
DECED/UFSJ


(...) a responsabilidade abarca, contém, implica necessariamente a alteridade perante a qual o ato responsável é uma resposta. Somos cada um com o outro na irrecusável continuidade da história. Buscar nos eventos, nas singularidades, nas unicidades dos atos desta caminhada como se realizam as “respostas responsáveis” é um modo de reencontrar os deslocamentos imperceptíveis na construção continuada dos valores, dos sentidos que regem, mas que se fazem e se desfazem na existência.
Wanderley Geraldi

Fundamentada na perspectiva bakhtiniana, proponho neste pequeno texto a re-composição de quatro cenas que tiveram lugar na Conferência Nacional de Educação[1], como modo de trazer ao debate inquietações que subsistem ao discurso da “intensa participação da sociedade civil, de agentes públicos, entidades de classe, estudantes, profissionais da educação e pais/mães” na Conferência realizada (CONAE, 2010, p.10).
Em textos oficiais e nas notícias veiculadas na mídia em geral, visibilidade é dada à CONAE como “espaço democrático de construção de acordos entre atores sociais que, expressando valores e posições diferenciadas sobre os aspectos culturais, políticos, econômicos, apontam renovadas perspectivas para a organização da educação nacional” (ibid., p.9). A CONAE aparece, assim, sob o signo da participação e do diálogo, ingredientes-chave de uma proposta que se pretende democrática.
Como observadora da conferência, realizando aí trabalho empírico de meu doutoramento, revisito algumas cenas que polemizam a abertura para o diálogo entre as diferentes vozes sociais, na tentativa de problematizar o suposto espaço de “respostas responsáveis” gerado entre o governo e a sociedade – esta representada por seus delegados – para a definição dos rumos da educação nacional.
  Diante de um acontecimento de crucial importância para a percepção das lutas ideológicas em torno da educação, cabe-nos questionar qual é o lugar dado à réplica, à contrapalavra, para que seja possível que os “valores e posições diferenciadas” circulem na arena discursiva e mostrem suas feições. Colocando em suspenso a lógica do próprio diálogo estabelecido na Conferência, espero provocar nossa compreensão para o modo como se constituem as “respostas responsáveis” neste espaço, na busca por reencontrar alguns deslocamentos (quase) imperceptíveis de sua natureza responsiva.  

CENA 1 – Cada voz em seu “lugar”?

“O que eu posso dizer, da parte do Ministério da Educação, é de que nós vamos nos colocar nessa conferência muito mais como ouvintes do que como participantes, para servir de correia de transmissão entre a vontade da sociedade que elegeu seus delegados e a vontade da sociedade que elegeu seus representantes no Congresso Nacional”.
(Fala do Ministro Fernando Haddad, em Conferência de Abertura da CONAE, em 29/03/2010).

Com a fala transcrita recuperamos a sessão de abertura da Conferência Nacional da Educação, quando os representantes da sociedade civil – declarados parceiros e interlocutores no evento – foram alocados no “pano de fundo” da cena principal. Em primeiro plano, compondo a mesa solene, executivos do governo, parlamentares e ministros dividiram seus tempos de fala entre o elogio aos méritos do governo e o reconhecimento do esforço empreendido por trabalhadores, estudantes e pesquisadores da Educação. Mas os diferentes representantes da sociedade convidados ao diálogo não foram ouvidos na solenidade. Para além da voz oficial, apenas o silêncio das outras vozes presentes.
É possível, portanto, duvidar da pré-disposição do governo para “ouvir” a sociedade quando a disposição hierárquica dos sujeitos em cena e o cerceamento de seus atos de fala parecem contrapor-se à abertura suposta. Pois são pressupostos fundamentais de uma compreensão responsiva: a escuta que fala, que responde; e as vozes plenivalentes, ou seja, que mantenham, como participantes do grande diálogo, uma relação de absoluta igualdade com as outras vozes do discurso (BAKHTIN, 1981).

CENA 2 – Das vozes e vaias   
Professores escravos
Estavam a trabalhar
Tira a URP, deixa ficar
Guerreiros com guerreiros dizem URP, URP já!
Guerreiros com guerreiros dizem URP, URP já!

(Canto entoado durante manifestação ocorrida na CONAE, em 29/03/2010)

Um pouco antes da solenidade de abertura da Conferência, ao som de uma paródia de Escravos de Jó, professores, servidores e estudantes da Universidade de Brasília entoaram, a cantos e apitos, um protesto contra as ameaças de corte de 26,05% sobre seus salários, na tentativa de sensibilizar os quase 3.000 participantes do evento para as motivações da greve na UnB. Houve tumulto, confrontos com seguranças e uma entrada nada harmoniosa do grupo de manifestantes no auditório onde se realizaria a solenidade de abertura do evento.
Poderíamos imaginar que uma manifestação como esta, bem no início de uma Conferência que pretende “dialogar” sobre os planos da educação nacional, significa a lembrança de que seria preciso buscar uma síntese em que pesassem as tão justas reivindicações de nossos professores e estudantes. Mas a surpresa maior foi ver professores, alunos e servidores em manifestação serem recebidos no auditório por um coro de muitas vaias formado por sua plateia de “pares”. Diante do cenário que desestabilizava o pressuposto da “construção de acordos”, a coordenação do evento “optou” por “ceder” um breve espaço de fala aos manifestantes, para que expusessem suas reivindicações aos delegados presentes.
Com apoio em Bakhtin, assumo a percepção de que o diálogo se inscreve quando há afirmação do heterogêneo, do outro, das diferentes vozes que compõem um projeto discursivo comum. Mas a palavra cedida quase “à força” e o coro de vaias às vozes outras enfraquecem tal possibilidade.

Cena 3:  A “vez” da voz

 (Moderadora): O que nós podemos acomodar para não descumprir o regimento, não sermos antipáticos (...) é um minuto para fazer uma pergunta e não sei se alguém já notou no plenário, eu sou absolutamente rigorosa, um minuto eu vou ficar aqui dizendo “tempo, tempo, tempo, tempo” e deu dez e meia nós vamos embora e se, o que pode acontecer é nos ficarmos no prejuízo de não ouvirmos as considerações finais, que eu acho importantíssimo pra continuar fundamentando nosso debate na plenária. Um minuto para questão essas pessoas que já estão aqui e ponto. Pode ser assim? Mas é um minuto, um minuto. Eu só quero deixar claro, companheiras e companheiros, é que se ultrapassou um minuto, nós vamos pedir a essa pessoa o direito da fala.
A primeira delegada inscrita para o debate inicia sua fala:
(Delegada): (...) eu sou professora da Universidade Federal Rural da Amazônia e primeiro já gostaria de reclamar do tempo: se quatro dias são insuficientes... nós estamos aqui para fazer um debate e enquanto a educação for tratada desse jeito “nas coxas”, os problemas vão continuar existindo.
(Cena transcrita do Colóquio sobre Formação dos Profissionais da Educação e Educação a distância, ocorrido em 30/03/2010, na CONAE)

Um minuto. Este foi o tempo regulamentado para que os professores e demais representantes da sociedade civil pudessem dialogar com os convidados no Colóquio que discutia a Formação dos Profissionais da Educação e Educação a Distância na CONAE. Na cena transcrita, a professora-delegada faz uso de parte de seu já restrito tempo de fala para manifestar-se contra o modo como o debate foi considerado, reiterando a velha máxima de que “enquanto a educação for tratada desse jeito...” não devemos mesmo esperar por mudanças substantivas. Em seu discurso, a própria lógica do colóquio é colocada em suspenso. 
Delimitando contraposição ao trato dado ao diálogo, a professora constrói sua resposta responsável, em um espaço no qual esta (e tantas outras possíveis) parecem carecer de propósito. Tal fato me faz reavaliar a declaração expressa no Documento Final da CONAE (2010), que reafirma a construção democrática de um espaço social constituído para discussão da educação, manifestando a garantia dada ao “aprofundamento de questões e encaminhamentos debatidos pelos/as delegados/as, por meio de discussões teórico-práticas” (p. 11).
Concordo com a professora: se quatro dias são insuficientes... o que dizer de um minuto? Pensando pela via da poesia, Quintana (2006) nos faz crer que não se deveriam permitir nos relógios de parede esses ponteiros que marcam os segundos: eles nos envelhecem muito mais que esses ponteiros das horas. Considerando este precoce “envelhecimento” que os segundos trazem, como aprofundar, como fortalecer as atitudes responsivas frente ao dito, se não há tempo para a reflexão e para a crítica?
Bakhtin (2000) aposta na necessária coparticipação dos sujeitos no ato de compreensão, afirmando que a apropriação do discurso do outro não deve dar-se apenas no ato de reconhecer os enunciados por ele produzidos, o que apenas “duplicaria seu pensamento no espírito do outro” (p. 291), mas no manifestar-se ativamente na negociação de sentidos, recriando, reinterpretando e reconstruindo a palavra alheia, para então torná-la própria e significativa.  
Fundamentada pelo olhar bakhtiniano, e diante das sérias problemáticas que ocuparam as pautas da CONAE, penso que restringir o tempo de fala dos que foram “convidados” ao diálogo, para partilhar da construção de novos rumos, me parece não só uma descortesia, mas outro forte indício do enfraquecimento da responsividade suposta.


      
Referências

BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981.

________. Estética da criação verbal. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
 
CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO (CONAE), 2010, Brasília, DF. Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educação: o Plano Nacional de Educação, diretrizes e estratégias; Documento Final. Brasília, DF: MEC, 2010.




[1] Conferência Nacional de Educação (precedida por etapas municipais, intermunicipais, distrital e estaduais), realizada entre 28 de março a 1° de abril de 2010, em Brasília.   

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Adriane de Castro Menezes Sales

Profissão de tradutor e intérprete da língua brasileira de sinais e a LIBRAS: ser e não-ser, eis a questão!
Adriane de Castro Menezes Sales
Doutoranda na Universidade Federal de São Carlos – PPGEEs

Todas as palavras evocam uma profissão, um gênero,
uma tendência, um partido, uma obra determinada,
uma pessoa definida, uma geração. [...] Cada palavra
evoca um contexto ou contextos nos quais ela viveu
sua vida socialmente tensa; todas as palavras e
formas são povoadas de intenções. [...] A linguagem
não é um meio neutro que se torne fácil e livremente
a propriedade intencional do falante, ela está povoada
ou superpovoada pelas intenções de outrem. Dominá-la
e submetê-la às próprias intenções e acentos é um
processo difícil e complexo.
Mikhail Bakhtin[i]

Em primeira instancia, cabe considerar que este texto é, em parte, a continuidade de um diálogo iniciado em outro contexto, numa oportunidade de reflexões e significações que resultou na escritura de um trabalho, pensamentos, acerca dos diversos matizes dos discursos sobre ‘inclusão escolar’ quando direcionados para a educação de alunos surdos. Pensar sobre o signo lingüístico como materialidade ideológica, sob a ótica da ética do ato responsável, que emerge do diálogo, da compreensão ativo-responsiva, é um despertar de ressonâncias ideológicas que refletem e refratam os nossos e novos sentidos.
A partir destas premissas é que elegemos como corpus de análise deste texto os discursos constituídos nas políticas públicas referentes à Lei Nº. 10.436/02 (regulamenta a Língua Brasileira de Sinais) e seu embricamento com a Lei Nº. 12.319/10 (regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – TILS), ou melhor, as desconexões e obscuridades instauradas na concepção e nas práticas relacionadas à Língua de Sinais – que, acima da incoerência teórico-prática entre o dito e o feito dos/nos discursos inclusivos, nos levou a uma grande inquietação: o Decreto nº. 5.626/2005, que instituiu legalmente a “educação bilíngue”, propõe, relativamente a ela, no Cap. VI, art. 22, o trecho abaixo transcrito:
[...] I – escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, [...];
II – escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, [...] cientes da singularidade lingüística dos alunos surdos, bem como a presença de tradutores e intérpretes de Libras – Língua Portuguesa. (grifos nossos)

Mas, a que se refere a “educação bilíngue”?
E, ainda: quais parâmetros teóricos e práticos utilizar para problematizar e/ou compreender a profissão (função) do “tradutor intérprete”, definida na Lei nº. 12.319/10 (BRASIL, 2010), se a Lei nº. 10.436/2002 (BRASIL, 2002) assim reconhece a Língua Brasileira de Sinais – Libras?
[...] Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (grifos nossos).
A função do tradutor, bem como de uma proposta de educação bilíngue, não são interdependentes à existência e relação entre duas línguas? A função do tradutor está claramente posta: “[...] realizar interpretação das 2 (duas) línguas de maneira simultânea ou consecutiva e proficiência em tradução e interpretação da Libras e da Língua Portuguesa” (BRASIL, 2010). E uma proposta de educação bilíngue? Sem por em discussão fatores considerados como interferentes e/ou intrínsecos nas práticas educativas bilíngues, tais como fatores históricos, sociais, ideológicos, psicológicos, além das relações de poder, ou, ainda, as diversas perspectivas teóricas de desenvolvimento de projetos bilíngues (MEGALE, 2006), em todos os casos é condição sine qua non que existam duas línguas em jogo.
Não se trata de uma roupagem linguística, mas de uma engrenagem discursiva na qual o discurso oficial se materializa com força de lei – à qual as normas de conduta conferem autoridade e poder legitimado, que impõem argumentos de variados contornos para sustentar um pseudo-monolinguismo, justificado, dentre outros, por argumentos de identidade e unidade nacional.
[...] A falácia do decantado monolinguismo nacional brasileiro, a cada dia que passa, fica mais evidente. [...] Nosso País apresenta vários grupos de falantes de outras línguas, caracterizando-se como uma nação alta e ricamente multilíngue. [...] O olho vedado da sociedade em geral para essa realidade, inclusive entre os ditos intelectuais, se mostra mais perverso, porém, em relação à língua dos “sinalizantes” brasileiros. Se não ignorada totalmente, essa forma natural e sofisticada de comunicação, como o fez Agostinho de Hippo Regius12[ii] em relação às crianças mortas sem batismo, é colocada num confortável limbo linguístico, mas limbo! (VEGINI; VEGINI, 2009, p. s/n).

Além disso, estes corpus (leis – documentos oficiais) demarcam lugares e poderes bastante diferentes e divergentes entre os grupos envolvidos e tentam oprimir as diversas e diferentes vozes sociais em relação às tensões e confrontos entre a ideologia dominante e a ideologia dominada. Segundo Cury (2002, p. 246):
O contorno legal indica os direitos, os deveres, as proibições, as possibilidades e os limites de atuação, enfim: regras. Tudo isso possui enorme impacto no cotidiano das pessoas, mesmo que nem sempre elas estejam conscientes de todas as suas implicações e consequências.
Nestes termos, as políticas públicas, como partes de um corte social, são representativas de conjunto de intencionalidades, que solicitam nossa leitura – das “linhas e entrelinhas” – e convocam contra-palavras, ou melhor, ações responsivas. Pensar sobre “[...] a política educacional implica pensar práticas sociais vividas por sujeitos concretos que representam forças sociais diferenciadas e em luta constante” (GARCIA, 2007, p. 132), das quais podem resultar tanto a manutenção e reprodução da ordem social estabelecida, quanto a subversão desta ordem (MIOTELLO, 2005).
[...] as Leis e Documentos oficiais são instrumentos de luta para efetivação dos direitos de cada cidadão. [ainda que se entenda] que os textos legais representam a política e devem ser entendidos como dimensão de um processo contínuo “cujo lócus de poder está constantemente mudando” (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 433).

Metaforicamente, os textos, em sua interrelação, remontam às diferentes vozes de Babel – onde o horizonte de possibilidades de significação gera luta –, ainda mais latentes, que envolvem relações de força produzidas por cada grupo/vozes em função das suas expectativas sociais particulares – particulares não no sentido de individuais, mas de diferentes planos de relação, ação e reflexão dos agentes sociais envolvidos. Ângulos particulares que, na perspectiva bakhtiniana de singularidade, de sujeito único, ocupam diferentes lugares, com diferentes (por vezes divergentes) leituras do mundo, entre os quais o encontro só seria possível a partir da alteridade.
Para Bakhtin, nos constituímos na relação alteritária com o outro, pois é na alteridade (no encontro) com o outro que temos a possibilidade de ampliar nosso horizonte de sentidos sobre nós mesmos, a partir da visão que o outro nos possibilita, num processo em que, no encontro, cada ser se reflete no outro e refrata-se – fato possível porque cada um ocupa seu lugar exotópico em relação ao outro.
[...] alteridade é a própria possibilidade do meu horizonte, da ampliação do meu horizonte. Eu me vejo no outro! E o outro é um horizonte sem fim para mim. Nele, no outro, há sempre uma nova perspectiva, sempre um novo ângulo no e pelo qual crio e recrio a idéia do eu. Falo idéia prá ser delicadamente fiel (aoeidos) filosófico fenomenológico: eu tenho para mim uma idéia de mim mesma, conforme os olhares dos outros (dos alter egos) essa imagem (eidos) ganha nuances distintas, contornos sutis. (Blogspot - gegelianos[iii])

Compreender o sentido do enunciado vai além da apreensão/compreensão do sinal linguístico, em se tratando de responsividade, é apreender as vozes em relação, considerar a relação entre os elementos que interferem na produção de sentidos dos enunciados, e que podem encontrar-se fora da realidade concreta do momento enunciativo, pois “[...] a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor” (BAKHTIN, 2000, p. 116).
É essencial considerarmos a relação eu/outro, uma vez que a subjetividade é inerente aos sujeitos. Para Bakhtin (2003), o enunciado pressupõe um ato de comunicação social e é a unidade real do discurso. O enunciado se constitui a partir da fala que, em uma situação discursivo/interativa, é representativa da intenção dos falantes (idem).
Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. [...] A compreensão é uma forma de diálogo; ela está para a enunciação assim como uma réplica está para a outra no diálogo. Compreender é opor à palavra do locutor uma “contrapalavra” (BAKHTIN, 2003, p. 137).

Consideradas estas particularidades, daremos um passo à frente, um deslocamento para a realidade concreta e cotidiana dos sujeitos envolvidos em nossa discussão, os sujeitos surdos e os tradutores interpretes de língua brasileira de sinais, na tentativa de apreender quais as implicações destes discursos e incongruências nas relações e interações ocorridas no espaço escolar incidem diretamente sobre os TILS e sua participação; envolvimento com os alunos; com a comunidade escolar e para o acesso destes alunos aos conhecimentos e informações acadêmicas e sociais, que constituem os processos de construção de conhecimentos.
Segundo Souza (2007, p. 160), o ato educativo decorre de linguagem...
De dois sujeitos que se falam, se escutam e são falados pelo Outro numa permanente intromissão desse terceiro – o Outro – elemento que põe em cena, do ponto de vista psíquico, “algo” que excede aos dois corpos visíveis – o do estudante e de seu intérprete.

Nesse sentido, e dentro de uma perspectiva estética fundamentada na concepção bakhtiniana, o papel do tradutor é, primeiramente, de aproximação, de conhecimento do e sobre o outro com quem irá (inter)agir, no caso, os tradutores intérpretes de língua de sinais em relação aos professores, alunos surdos e ouvintes. Para tanto,
O primeiro momento da minha atividade estética consiste em identificar-me com o outro: devo experimentar – ver e conhecer – o que ele está experimentando, devo colocar-me em seu lugar, coincidir com ele [...]. Devo assumir o horizonte concreto desse outro, tal como ele o vive (BAKHTIN, 2000, p. 45).

Destacamos a questão não apenas para definir nosso ponto de partida sobre a atividade estética, mas para, neste ensejo, dar ênfase a questões como as discutidas por Sobral (2008a, p. 132):
Cabe ao intérprete conhecer a situação do conjunto de surdos no âmbito da cultura brasileira. Isso apresenta dois aspectos: de um lado, trata-se de uma língua não oral, de uma maneira não oral de perceber, de pensar e de se exprimir, no interior de uma cultura oral e em contato com uma língua oral dominante; de outro, o surdo tem uma dada imagem do interior dessa cultura que nem sempre o respeita [...]. A situação do surdo não é a mesma do ouvinte; não se trata apenas de ter outra língua, mas ter uma língua não oral num ambiente sociocultural oral e de coexistir como surdos num território de ouvintes.
Além destas singularidades, pensar sobre a tradução/interpretação, mediando situações didático-pedagógicas em ambientes educacionais, nos quais circulam informações e conhecimentos das mais diversas naturezas e especificidades, exige do TILS diferentes saberes e condições de atuação, tais como: domínio dos conteúdos escolares em uso, conhecimentos sociais, políticos e culturais, além das idiossincrasias do grupo de alunos e professores com os quais atuará. E a posição a ser ocupada por eles (TILS) não pode se distanciar desta situação concreta – realidade social e histórica.
Apoiados, novamente, em Sobral e seus apontamentos sobre Bakhtin, acreditamos na necessidade de dar acabamento[iv] a nossa discussão, refletindo a tradução, também, como ato ético. Segundo Sobral (2008b, p. 224), a filosofia bakhtiniana do ato ético refere-se à
[...] responsividade ética aos outros sujeitos. Para Bakhtin, “não há álibi na existência”, e os atos do sujeito, sejam ou não voluntários, são responsabilidade sua, ou melhor, “responsibilidade” sua, isto é, responsabilidade pelo ato e responsividade aos outros sujeitos no âmbito das práticas em que são praticados os atos.

O ato da tradução envolve uma escala multidimensional de significantes e significados que desvelam as dimensões, a profundidade e a alta complexidade da sua atuação e a interação verbal, pois tem relação direta com todos os sujeitos que participam destas interações, tanto na constituição de suas identidades quanto de suas subjetividades – além do diálogo, que se constitui uma das mais importantes formas de realização da língua.
Para a efetivação de uma proposta educacional bilíngue são necessárias algumas condições prévias e concomitantes, que têm valor determinante para o êxito do processo. Dentre elas, podem-se enumerar elementos, como estímulo precoce das crianças surdas ao aprendizado da língua de sinais (para o qual não demandam condições especiais de ensino/aprendizagem) para, então, expor as mesmas a situações formais de ensino da língua da comunidade ouvinte (no nosso caso, a língua portuguesa); condições de entrada da língua de sinais no espaço escolar, com status de permanência e não de concessão; além do uso amplo da língua pela comunidade escolar, para que não tenhamos um isolamento e restrição de diálogo e interação apenas entre os pares surdos e deles com os intérpretes.
Enfim, ainda que as possibilidades de desdobramentos e horizontes possíveis de significados acerca destes atos/pensamentos sejam inúmeras, traz-se à baila uma ultima (por hora...) consideração: que o dúbio (re)conhecimento da Libras, pois ainda que nomeada não foi legitimada como Língua Brasileira de Sinais,  dentro da esfera política e ideológica, reforça a imagem de que esta se refere, ou melhor, identifica os sujeitos como “aqueles que são uma minoria lingüística” em relação ao padrão estabelecido na cultura e no meio social, o que intensifica, na maioria das situações observadas, entraves ao uso da Libras por pessoas externas às entidades e comunidades surdas, nas quais incluímos todas as pessoas ligadas direta ou indiretamente a esses sujeitos.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2000. 203 p.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006. 203 p.
BRASIL. Lei Federal n. 10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e dá outras providências. Acesso em: abril/2010.
______. Lei n 12.319, de 1º de setembro de 2010. Regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. Acesso em: abril/2011.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, n. 116, pp. 245-262, julho 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100- 15742002000200010&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: julho/2010
GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Reflexões teórico-metodológicas acerca das políticas para a Educação Especial no contexto educacional brasileiro. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade. Salvador, BA: UNEB, v. 16, n. 27, pp. 131-142, janeiro/junho 2007. Disponível em: <http://www.revistadafaeeba.uneb.br/anteriores/numero27.pdf>. Acesso em: julho/2010.
SHIROMA, Eneida Oto; CAMPOS, Roselane Fátima; GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Decifrar textos para compreender a política: subsídios teórico-metodológicos para análise de documentos. Perspectiva: Revista do Centro de Ciências da Educação. Florianópolis: UFSC, n. 2, pp. 427-446, julho/dezembro 2005. Disponível em: <http://www.perspectiva.ufsc.br/perspectiva_2005_02/11_artigo_eneida_rosela ne_rosalba.pdf>. Acesso em: julho/2010.
SOBRAL, A. U. Dizer o "mesmo" a outros: ensaios sobre tradução. 1. ed. São Paulo: SBS Editora, 2008a. v. 1. 143 p.
_________. O Ato “Responsável”, ou Ato Ético, em Bakhtin, e a Centralidade do Agente. Signum: Estudos Linguisticos, Londrina, n. 11/1, p. 219-235, jul. 2008.
VEGINI, V. ; VEGINI, R. L. . Articuladores sintáticos e flexão verbal num texto produzido por um portador de necessidades especiais. In: II Encontro de Educação: interculturalidade, políticas públicas e Educação escolar, 2009, Rolim de Moura e Vilhena. II Seminário de Educação: interculturalidade, políticas públicas e Educação escolar. Porto Velho : Universidade Federal de Rondônia, 2009
___________________________________________________________________________
[1] BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 4 ed. São Paulo: Editora UNESP, 1998. 418p. (p. 100)
[1] Região da Numídia, Norte da África: 354-430 (referência do texto original).
[1] Disponível em: http://gegelianos.blogspot.com/2008/01/alteridade-parte-ii.html. Acessado em: 27 de janeiro de 2011
[1] Noção de acabamento, também centrada em Bakhtin, na qual “só um outro pode nos dar acabamento e somente nós poderemos dar acabamento a um outro. Cada um de nós se situa num determinado horizonte e necessita do outro para completar o que falta ao nosso horizonte de visão.” (LOPES, 2005)


Alan de Luna Fernandes

Espaço público: Ações de afirmação do “eu”
Alan de Luna Fernandes[1]

Devemos pensar o cotidiano como uma constante de situações que compõem a vida. Essas situações sociais, todas políticas, como todas as relações humanas, trazem seus conflitos marcados na linguagem. Linguagem e política caminham intrinsecamente juntas, pois é a partir da linguagem que nos expressamos e, portanto, vivemos as relações humanas. Estas, também políticas. Embora nós, brasileiros, estejamos acostumamos com a cordialidade, algumas expressões verbais muito utilizadas em nossa cultura demonstram a fragilidade dessa expressão cristalizada e revelam a hierarquia sistêmica. Esse é o caso da expressão “sabe com quem está falando?”, que se desenvolve, em situações de conflito, como uma interrogativa autoritária. O uso comum dessa expressão coloca em cheque nosso sistema social baseado na cordialidade, pois ela denota a ação, opressiva, de uma classe sobre outra.
A sociedade brasileira se diz regida por valores de intimidade, consideração e respeito, entretanto, esse traço linguístico evidencia o desequilíbrio social que vivemos. O autoritarismo presente na expressão “sabe com quem está falando?” revela o conflito que permeia nossa sociedade: o diálogo estabelecido de maneira hierárquica, de acordo com os papéis sociais. 
Segundo DaMatta (1997), “O ‘sabe com quem está falando?’ implica sempre uma separação radical e autoritária de duas posições sociais reais ou teoricamente diferenciadas” (DaMatta,p.181). A expressão marca a imposição de um sujeito sobre outro pelo mecanismo linguístico, o que reflete uma separação social e uma ação de afirmação social (de superioridade) do “eu” sobre seu interlocutor.
Nas situações usuais, em nossa sociedade narcísica, o “eu” procura sentir-se importante e, para isso, inferioriza o seu “outro” por meio de seu status social, a fim de se auto-afirmar hierarquicamente – demonstrar poder (como se para ser alguém, o “eu” tivesse, necessariamente, que anular o “outro” ao invés de partir dele, como ocorre, segundo Bakhtin). Sociedades calcadas no capital, como a nossa, fazem o contrário do que prega a filosofia bakhtiniana, pois se centram no “eu” e não sabem re-partir. A mentalidade que impera é a da “Seleção Natural”, de Darwin ou, como está em Quincas Borba, de Machado de Assis: “Ao vencedor, as batatas”. O homem ainda responde ao pensamento racionalista científico dos séculos passados, pois age como nossos ancestrais, “matando” o “outro”, a partir de quem é constituído, para se mostrar “o mais forte”. Instinto de sobrevivência? Mas, sendo o homem um mamífero e, ao mesmo tempo, um sujeito social, o que impera, a biologia ou a sociologia?
A expressão “sabe com quem está falando?” é construção discursiva – de linguagem – dessa relação contraditória de forças biológica e sociológica que habita o sujeito. A nós, imperam os valores sociais, uma vez que o signo é ideológico, segundo Bakhtin/Voloshinov (1997). Assim, tal expressão discursiva se caracteriza como a auto-representação do sujeito “eu”, de seu poder autoritário e hierárquico. DaMatta ilustra algumas situações acerca do uso dessa expressão, das quais destacamos uma:
“1- Num parque de estacionamento de automóveis, o guardador diz ao motorista que não há vaga. O motorista, entretanto, insiste dizendo que as vagas estão ali. Diante da negativa firme do guardador, o motorista diz irritado: ‘Sabe com quem está falando?’ E revela sua identidade de oficial do exército.” (1997, p.208).

Na situação descrita, notamos tratar de um conflito entre duas pessoas, na qual estão retratados sujeitos de grupos sociais distintos: um oficial do exército e um guardador de carros. Mediante o uso da expressão “sabe com quem está falando?” é que o oficial enfatiza sua posição social de poder e status hierárquico “superior” ao guardador de carros. Para se impor, inferioriza o “outro” a fim de reafirmar sua voz, seus valores, seu poder e seu espaço. Apesar da presença de ideologias (de hierarquização social e superiorização da classe), notamos o sujeito consciente do seu ato discursivo e, portanto, responsável (afinal, para Bakhtin, 2003, é “a unidade de consciência que age de maneira responsável”) pela aplicação da expressão utilizada, no lugar, na hora e com o interlocutor que melhor lhe convém, para garantir a saciedade de suas necessidades (ou desejos – no caso, a vaga no estacionamento), de maneira desrespeitosa e sem critério, como ocorre, muitas vezes, no cotidiano.
Sob o ponto de vista ideológico, essa expressão assinala valores imanentes à sociedade capitalista, aqui exemplificada pelo caso brasileiro: o de que um sujeito que ocupa uma determinada posição ou desempenha um papel privilegiado socialmente deve ter prerrogativas de destaque por exercer função tida como “importante”; o de que o sujeito não é valorizado pelo que é, mas pelo lugar que ocupa na sociedade ou por aquilo que possui; o de hierarquia social e subserviência do economicamente mais “fraco” para com o privilegiado naquele dado momento e situação; entre outros. Assim, a expressão marca a afirmação do “eu” pela inferiorização do “outro” no espaço social.
Podemos afirmar que a linguagem é política (uma vez que ideológica, segundo Bakhtin). E, por isso, o indivíduo, concebido como sujeito social, pode ser representado pela linguagem, pois ela reflete e refrata valores sociais a partir de um espaço e de um tempo determinados, logo, em ação, em movimento, na sociedade, via sujeitos que vivenciam suas experiências cotidianas, sempre políticas, de acordo com seus valores, de maneira responsável ou não, mas sempre responsivamente.

Referências bibliográficas:
BAKHTIN, M. “Arte e Responsabilidade”. Estética da Criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M. / VOLOSHINOV. “Discurso na vide e discurso na arte”. Tradução para fins acadêmicos de Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza.
___. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1997.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

Amanda Carvalho, Caroline de Jesus e Daniele da Silva

 Luiz Inácio: Um discurso Responsivo
Amanda Carvalho (Universidade Federal do Pará)
amandacarvalhovale@hotmail.com
Caroline de Jesus (Universidade Federal do Pará)
carolinenpj@hotmail.com
Daniele da Silva (Universidade Federal do Pará)

Quando se fala em política, a reação mais comum entre as pessoas é a de rejeição. Não tirando a razão desses cidadãos, pois a política brasileira sempre apresentou seus altos e baixos, criando assim uma imagem deplorável.


Figura 01: Lula discursando quando ainda era operário (Portal13/história do PT)

Em 10 de fevereiro de 1980, Lula fundou o PT, juntamente com outros sindicalistas, intelectuais, políticos e representantes de movimentos sociais. Lula foi eleito em 1986, deputado federal constituinte com a maior votação do país. Concorreu à Presidência da República em 1989, quando foi derrotado no segundo turno por Fernando Collor de Mello, e em 1994 e 1998, quando perdeu para Fernando Henrique Cardoso, em 2002 foi eleito presidente do Brasil com votação recorde de 50 milhões de votos. Reelegeu-se em 2006, vencendo, em segundo turno, o candidato do PSDB, Geraldo Alckimin. Fiel ao estilo que marcou seu governo, Lula despediu-se da Presidência com muito choro e nos braços da multidão, tendo sido o centro das atenções na cerimônia de entrega a faixa à sucessora Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto em 01 de janeiro de 2011.
Apesar do significado inédito do resultado da eleição de 2002, parte de seu sucesso pode ser compreendido a partir das estratégias de discurso utilizadas pelo candidato e sua assessoria. Esses discursos são utilizados em diferentes contextos em que o discurso tem uma importância. Por discurso, pode-se entender o dispositivo da sensação, explicado por Michael Foucault. Esse envolvimento entre emissor e receptor gera um diálogo de confiança entre as partes envolvidas no processo eleitoral. Isso envolve a capacidade do discurso se adaptar à necessidade do emissor. A análise do discurso pode ser definida como o estudo das funções que o conteúdo do discurso pode desempenhar tanto nos receptores especificamente quanto no contexto em geral.
Por outro lado, o discurso pode ser classificado como uma forma de poder, e no caso da candidatura de Lula, uma conquista governamental. Na política, geralmente o discurso visa atingir dois pontos, ou até mesmo a mescla deles, que seriam a linguagem e a ação. Logo, sem linguagem, o discurso é impossível a conquista do voto. É por isso que o emissor do discurso político tem que dispor de armas poderosíssimas para atingir, agradar e tocar o povo, como nenhum outro candidato.
Essa relação que se constrói embasada no discurso depende do carisma, do companheirismo, e do “estar presente” com a massa. Quando essa conexão entre emissor e receptores acontece é porque sem dúvida, as estratégias do discurso tiveram sucesso. Isso prova a capacidade que um político possui ao discursar para uma massa, e mais, fazendo com que esta se sinta envolvida na cena política em que está vivenciando.
Sem dúvida, a ação da mídia é de extrema relevância. Porém, assim como ela ajuda a fornecer uma imagem positiva do candidato, também é responsável pela formação da opinião do povo eleitoreiro. Como no caso de Lula, em que pesquisas que verificavam a aceitação do público apontavam o sucesso de sua campanha eleitoral. Entretanto, suas idéias, seu partido, e até mesmo por questões pessoais, fizeram com que Lula fosse visto como um incompetente e analfabeto. A exemplo disse tem-se o comentário do comentarista Paulo Francis, que o chamou de “ralé”, “besta quadrada”, e disse que se ele chegasse ao poder o país viraria uma grande bosta.
A intenção de Lula era ganhar o carisma do povo. Em 1989, quando o PT lança Lula, a imagem do candidato é igual à de um estereótipo de trabalhador. Sem barba feita, sem terno alinhado, e com uma postura um tanto diferente dos outros candidatos. Já em 1994, Lula começa a se adaptar às normas de comportamento dos que já ocuparam o lugar de Presidente. Todavia, sempre se valendo de um discurso radical. Vale ressaltar que nesta campanha seu resultado nas urnas foi negativo. Porém, em 2002 já com uma mudança em seu discurso, a eleição já era algo pressentido, apenas uma questão de tempo. Parecido com o povo, sem escolaridade superior, já com a barba feita, camisa e gravata, com uma voz amena, um carisma envolvente, Lula consegue atingir diferentes segmentos sociais que também o viam em diferentes aspectos. E foi justamente o embate de idéias dos eleitores e esse jogo de diferentes argumentos, foi o que ajudou o candidato socialista a se eleger.
“[...] Eleger um governo petista significa acabar com a miséria e com a fome que ainda castigam quase 50 milhões de pessoas em nosso país. Significa possibilitar que a grande maioria do povo obtenha a cidadania, que os jovens não tenham que enfrentar as incríveis dificuldades que eu e tantas pessoas passamos na vida. Melhorar o Brasil significa mudar de rumo, afastando o nosso país da situação de vulnerabilidade a que foi levado pela atual política econômica [...] (Pronunciamento quando o Partido dos trabalhadores o lançou como candidato para Presidência da República. -Maio de 2002).

Em seu discurso Lula faz um misto de expressões, usa recursos emotivos, e satiriza o governo de Fernando Henrique Cardoso. Assim como ele se vale de sentimentalismo para alcançar as massas sociais provocando uma maior identificação com esses eleitores. Lula é racional e estratégico ao mostrar aos políticos que pode ser um bom administrador para o Brasil.
“[...] O Brasil quer mudar. Mudar pra crescer, incluir, pacificar. Mudar para conquistar o desenvolvimento econômico que hoje não é a justiça social que tanto almejamos. Há em nosso país uma poderosa vontade popular de encerrar o atual ciclo econômico [...] ( “Carta ao Povo”) (Junho 2002) .

Em seu pronunciamento, Lula usa perspicácia para que os emissores acreditem no que ele está exclamando. Pode-se notar que neste pronunciamento ele já impõe a ideologia petista como aceitação de todas as camadas sociais. Para convencer de fato, que ele é o melhor candidato a seguir. E ao mesmo tempo usa-se de inúmeras críticas ao governo FHC, “esgotado” e “cansado”, “o Brasil está vivendo um colapso econômico”, são exemplos do que estava sendo passado ao leitor.
Por mais que Lula tenha vindo de uma camada desfavorecida, e seja de fato como o povo, como todos os outros candidatos, ele possuía ambição no que falava, precisava persuadir as camadas pra poder conseguir o que queria.
E a resposta veio com sua eleição e reeleição. Logo, fica mais do que provado o que vários estudiosos afirmam:
Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. (Foucault 1997, p.88).
Os discursos de Lula estão intimamente ligados à interpretação de seus receptores. E que foram estrategicamente montados para persuadir. Porém parte do êxito de seus discursos deve-se ao fato de seus textos passarem a idéia de um cidadão participante da administração do país, independente de sua condição social.

Referência Bibliográfica:
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola 1996.
FOCAULT, M. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 200.
Fontes da Internet: