segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Ivone Panhoca e Luci Mendes Bonini

Políticas públicas e responsividade
Ivone Panhoca [i.panhoca@terra.com.br]
Luci Mendes Bonini [lucibonini@gmail.com] - Universidade de Mogi das Cruzes

Vian (2011) considera que a participação de universidades, órgãos governamentais e centros de pesquisa no delineamento de políticas públicas é extremamente importante para nortear os rumos da sociedade para o desenvolvimento desejado.  A Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) têm histórica atuação acadêmica em questões afetas à saúde, à preservação ambiental e da memória cultural de seu entorno, consideradas as transformações sociais passadas e o cenário futuro que já se impõe à região.
Assim, a inserção das proponentes em um grupo de pesquisa em políticas públicas na UMC (“GRUPPU” – CNPq)  aproximou-as de diferentes órgãos governamentais e/ou representantes da sociedade civil organizada que têm como preocupação comum a melhoria da qualidade de vida e da dignidade humana, face às transformações sociais, passadas e futuras, impostas à região do Alto Tietê e do Extremo Leste da RMSP.
            Diante da necessidade, claramente colocada, de intervir criticamente na realidade social, no campo das políticas públicas nas áreas da saúde, da cultura e do meio ambiente, as autoras confrontaram-se com a premência da análise de questões afetas à saúde, à preservação do meio ambiente e da memória cultural. A realidade imposta a elas é retratada por Rodrigues (2010, p. 54), segundo quem : condições (institucionais, históricas, culturais, sociais) facilitam ou dificultam a implementação de políticas públicas e sociais
A mesma autora, à página 23, considera que o profissional voltado às políticas públicas deverá:
Saber analisar o ambiente (social, político e econômico) em que as organizações públicas deverão atuar, desenhar as estruturas das organizações (em termos de meios, recursos, procedimentos e caminhos) e definir estratégia adequada ao equilíbrio dinâmico com esse ambiente (em termos de diretrizes e políticas das organizações envolvidas) constituem também habilidades importantes do gestor, que favorecem a formulação adequada de uma política pública.

O Extremo Leste da RMSP e o Alto Tietê constituem, juntos, uma região de extrema complexidade, em que se destacam sua importância estratégica para o abastecimento da Grande São Paulo, sua pujança econômica e a perspectiva de crescimento continuado para os próximos anos. A isso se contrapõe a existência de uma população de baixa e média renda, carente de serviços sociais básicos, inserida em uma sociedade que ainda busca se adaptar a uma nova realidade econômica e com um grande legado histórico-cultural, que se desenvolve desde os tempos do Brasil-Colônia.
Políticas e ações públicas que visem a orientar o crescimento desta região ao longo das próximas décadas precisam considerar o conceito de desenvolvimento econômico sustentável da forma mais multifacetada possível, coordenando interesses e necessidades sociais com uma visão holística da sociedade e de seu entorno, contemplando de maneira integrada preocupações urbanísticas, ecológicas, econômicas, e histórico-culturais.
Rodrigues (2010) lembrando que as políticas públicas abarcam as políticas sociais - que são, portanto, subconjunto delas - enfatiza a importância de um gestor de políticas públicas ser portador de competências multidisciplinares.
Nas páginas 13-14 a autora destaca que:
Política pública é o processo pelo qual os diversos grupos que compõem a sociedade – cujos interesses, valores e objetivos são divergentes – tomam decisões coletivas, que condicionam o conjunto dessa sociedade.[...].

As políticas públicas trazem as marcas-vozes de onde emanam - tipos de reivindicações, ideologias constitutivas de onde/quem provém – e marcas-vozes de quem responde a elas, sendo portanto, duplamente constituídas e duplamente constitutivas, uma vez que ao mesmo tempo em que são constituídas por tais marcas-vozes são também constitutivas delas, num continuum de relações e de tensões configuradas pelos atores sociais que participam do(s) processo(s). E tais processos, portanto, são, inevitavelmente, revestidos de caráter polifônico : várias vozes misturadas e presentes na voz do sujeito que enuncia.
Como destaca Bezerra (2005, p. 194) :
A polifonia se define pela convivência e pela interação, em um mesmo espaço do romance, de uma multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis, vozes plenivalentes e consciências eqüipolentes, todas representantes de um determinado universo e marcadas pelas peculiaridades desse universo

Dessa forma, entendidas como textos polifônicos ou dialógicos, as políticas públicas remetem à alteridade, ao estranhamento, ou seja, à “presença de um outro discurso no interior do discurso” ou à “intervenção de outro locutor” em conformidade com Amorim (2001, p. 107 e 110) ). Semióticas verbais e não verbais proliferam na diversidade de gêneros, de tendências, de autoridades, de vozes, na polifonia de diferentes pressões, que modelam, remodelam, reprimem ou liberam respostas, orquestrando a cidadania. O cidadão vai adquirindo liberdades e obrigações; vai adquirindo direitos civis, sociais, econômicos e políticos, podendo vir a participar da vida coletiva do estado e “exercer seu direito à vida, à liberdade , ao trabalho, à moradia, à educação, à saúde, à cobraa de ética por parte dos governantes” (D’Urso 2005).
No acontecimento das interações atribuem-se sentidos e negociam-se signos ideologicamente marcados e, portanto, impregnados de valores. E, com sentidos e valores orientados pela alteridade, configura-se e orienta-se uma entonação, marca da presença do sujeito na/da enunciação e constituída pelas formas pelas quais ele passa à palavra os seus pontos de vista e os seus valores.
Considerando-se que o processo de produção de políticas públicas é configurado por atores voltados ao diagnóstico e à análise da realidade em que intervém, cada qual interagindo e negociando democraticamente com todos os outros atores envolvidos no processo, torna-se flagrante o processo pelo qual  a(s) entonação(ões) ideologizam a(s) as “palavras constitutivas da políticas públicas”  (GEge, 2009)
Impossível, portanto, pensar em políticas públicas nas áreas da saúde, da cultura e do meio ambiente – tarefa a que a UMC vem se propondo - sem pôr em tela o conceito bakhtiniano de ideologia. Segundo  Faraco (2003, p. 46) ideologia, no Circulo Bakhtiniano é  “o universo que engloba a arte, a ciência, a filosofia, o direito, a religião, a política, ou seja, todas as manifestações superestruturais (para usar uma certa terminologia marxista”. E para Miotello ( 2005, p. 171), ideologia na perspectiva bakhtiniana é a organização e a regulação das relações histórico-materiais dos homens
Sobral (2009, p. 123)) que ao referir-se ao Circulo Bakhtiniano lembra que:

”O Círculo não considera os sujeitos apenas seres biológicos, nem apenas seres empíricos, ou apenas sociais, mas sempre leva em conta sua complexidade na concretude das situações em que ocorre a apreensão inteligível do seu ser sensível, não alguma pretensa “realidade” tout court, visto que o mundo humano é um mundo construído, e não só dado naturalmente”.

Mais adiante – página 124 – o autor lembra que
“O sujeito não é “fantoche” das relações sociais, mas um agente responsável por seus atos e responsivo ao outro, como alguém dotado de um “excedente de visão”, a capacidade de saber sobre o outro o que este não pode saber. Mas ao mesmo tempo depende do outro para saber o que ele mesmo não pode saber sobre si. Só nessa relação entre “eus” pode nascer o sentido da vida humana, que é função dela e ao mesmo tempo serve para dar-lhe forma”

O autor destaca, ainda, que em um dos seus primeiros textos – Para uma filosofia do ato – Bakhtin mostra os malefícios da dissociação entre cultura e vida, entre mundo sensível e mundo inteligível, entre conteúdo e processo, destacando o papel central da situação concreta em que ocorrem os atos e lembrando, à página 122, que “o que há de comum a todos os atos, se organiza, assume uma forma, a partir do seu processo, do agir do sujeito numa situação histórica e social”. Na mesma página Sobral lembra que “Para Bakhtin todo ato têm em si, integrados, conteúdo e forma, elaboração teórica e materialidade concreta, ser-no-mundo e categorização do mundo”.
As autoras concebem políticas públicas como enunciados, dos diferentes segmentos da sociedade civil, voltados a outros enunciados, também de diferentes segmentos da sociedade civil, sempre de forma sócio-historicamente situada (Costa, 2009).  São vozes que ecoam, cada uma de maneira diferente , ao mesmo tempo em que instauram – continuamente - (novas) palavras e (novos)pensamentos (Medeiros,  2006).
E no contínuo fluxo de troca de signos alheios por signos próprios – constitutivo das políticas públicas – estão os processos de compreensão ativa e responsiva. Significações que se realizam na união dos interlocutores; significações que decorrem, continuamente, dos efeitos de interação entre interlocutores uma vez que “toda compreensão é sempre prenhe de respostas” (Lins e Santos, 2010)
Situadas e desenvolvidas a partir de preocupações, necessidades, anseios, proposições ou controvérsias as políticas públicas surgem no confronto de quem solicita – e do que é solicitado - com quem busca atender. São, portanto, “respostas responsáveis” que possibilitam “reencontros com deslocamentos imperceptíveis na construção continuada dos valores” (Geraldi, 2004).
Em conformidade com Moita Lopes e Bastos (2010) o trabalho desenvolvido pelo grupo de pesquisa do qual as autoras fazem parte considera que o homem vive continuamente “em movimento, em fluxo e em trânsito”. O trabalho desenvolvido nesta perspectiva, então, aproxima-se das reflexões de Morin (2008), segundo quem:

"....o importante não é apenas a idéia de inter e de transdisciplinaridade. Devemos "ecologizar" as disciplinas, isto é, levar em conta tudo que  lhes é contextual, inclusive as condições culturais e sociais, ou seja, ver em que meio elas nascem, levantam problemas, ficam esclerosadas e transformam-se. É necessário também o "meta-disciplinar": o termo "meta" significando ultrapassar e conservar; não se pode romper todo o fechamento : há o problema da disciplina, o problema da ciência, bem como o problema da vida; é preciso que uma disciplina seja, ao mesmo tempo, aberta e fechada".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Amorim, M. O pesquisador e seu outro : Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo : Musa Editora, 2001.
Bakhtin, M. Questões de literatura e de estética – a teoria do romance. 4ª.ed. São Paulo:UNESP-HUCITEC. 1998
Bezerra, P. Polifonia. In  Brait Beth, Bakhtin – Conceitos-chave. 2ª. Ed. São Paulo : Contexto, 2005, p. 191-200.
Costa, Luiz Rosalvo. Dialogismo, responsividade e referenciação : uma análise de editoriais da revista Ciência Hoje. In : Garcia, B.R.V.; Cunha, C.I.; Pires, E.L.; Ferraz,  F.S.M.; Gonçalves Segundo, P.R. (orgs) Análises do Discurso : o diálogo entre as várias tendências na USP. São Paulo : Paulistana Editora, 2009. Acessado em 25 de agosto de 2011 em http://www.epedusp.org
D’Urso, L.F.B. A construção da cidadania, 2005. http://www.oabsp.org.br/palavra_presidente/2005/88/. Acessado em 10 de setembro de 2011
Faraco, C. A. Linguagem e diálogo : as idéias lingüísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba : Criar Edições, 2003
Geraldi, J. W. Alteridades : espaços e tempos de instabilidade. In : L. Negri e R.P. de Oliveira (orgs) Sentido e significação em torno da obra de Rodolfo Ilari. São Paulo, SP: Contexto, 2004.
Grupo de Estudos de Gêneros do Discurso – GEGe. Palavras e contrapalavras : glossariando conceitos, categorias e noções de Bakhtin. São Carlos : Pedro & João Editores, 2009.
Lins, N. F. e Santos, M. F. O. A compreensão responsiva ativa no gênero do discurso dramatização. Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Lingüística e Literatura, ano 6, no. 12, 2010
Medeiros, C. M. O sujeito bakhtiniano : um ser de resposta. Revista da Faculdade do Seridó, v.1, n.o, 2006.
Miotello, V. Ideologia. In  Brait Beth, Bakhtin – Conceitos-chave. 2ª. Ed. São Paulo : Contexto, 2005, p.167-176.
Moita Lopes, Luiz Paulo; Bastos, Liliana Cabral (org). Para além da identidade : fluxos, movimentos e trânsitos. Coleção Humanitas, Editora da UFMG, 2010
Morin, Edgar. A cabeça bem feita – repensar a forma e reformar o pensamento.14ª. edição. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2008
Rodrigues, M. M. A . Políticas Públicas. São Paulo : Publifolha, 2010
Sobral, A. O conceito de ato ético de Bakhtin e a responsabilidade moral do sujeito. BIOETHIKOS – Centro Universitário São Camilo, 2009: 3(1):121-126
itário São Camilo, 2009: 3(1):121-126

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