segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Bruna de Souza Silva

Manifestações políticas responsivas: ações cotidianas
Bruna de Souza Silva[1]

A língua como fonte de comunicação humana pode se tornar uma importante ferramenta de expressão para a sociedade que a forma e mantém como conseqüência a aplicação de características culturais que envolvem aspectos políticos, sociais e históricos.
A canção por sua vez, elaborada como “palavra cantada” - união de música e poesia - transforma-se em resposta a ações de uma época, uma vez que relacionada a diversos fatores. Ao observar-se a composição de uma letra com intuito de refletir acerca da crítica ali retratada a seu tempo, notar-se-á características autorais que evidenciam os sentimentos de uma determinada geração, ou seja, o compositor tem a possibilidade de se transformar em um sujeito responsivo acolhedor de pensamentos que toma posse da voz de várias pessoas com determinadas opiniões a respeito de algo.
Após o momento da criação da letra, o cantor (que pode ser o próprio compositor ou não) analisa esta invenção e a modifica através de suas características, do seu meio de divulgação, de sua interpretação, etc, com o intuito de enfatizar ou provocar novos sentidos de modo que exerça a sua capacidade de produção pessoal por meio da interpretação, via entonação e performance de execução da canção.
Depois dessa “elaboração estética”, o enunciado é recebido pelo outro do discurso (seu público real), que, por sua vez, também produz múltiplos sentidos por meio da contemplação/recepção/audição da canção, conforme sua vivência e características particulares. Esse processo de interação eu-outro da canção cria a possibilidade de atingir, de fato, o intuito do autor-criador de gerar uma consciência reflexiva no outro, responsiva pelos seus atos. Isso torna ambos os envolvidos no processo, ou seja, eu e outro, responsáveis e éticos. Pensamos as concepções de responsabilidade, ética, sujeito e responsividade, tal qual Bakhtin/Voloshinov(1976, p.4):
“O que caracteriza a comunicação estética é o fato de que ela é totalmente absorvida na criação de uma obra de arte, e, nas suas contínuas recriações por meio da co-criação dos contempladores, e não requer nenhum outro tipo de objetivação. Mas, desnecessário dizer, esta forma única de comunicação não existe isoladamente; ela participa do fluxo unitário da vida social, ela reflete a base econômica comum, e ela se envolve em interação e troca com outras formas de comunicação”.

Essas ações relatadas estão por natureza no cotidiano dos seres humanos, que relacionam e designam seus gostos musicais a partir dos costumes, culturas, estilos etc. que estão presentes em sua vida e interagem em relações sociais ou no meio em que convivem. Um exemplo: na canção “Volte para o seu lar” (1991),composta por Arnaldo Antunes e cantada algumas vezes por Marisa Monte e outras pelo próprio compositor, observa-se uma forte crítica social aos padrões políticos colonizadores e catequizadores, como é possível perceber logo em seus primeiros versos: “Aqui nessa casa / Ninguém quer a sua boa educação / Nos dias que tem comida / Comemos comida com a mão”. No início dos anos 90, no Brasil e em outros lugares do mundo, discutia-se muito sobre a catequização de tribos/povos (principalmente indígenas e africanas) e sobre a relação do branco com esses povos e suas tradições, que seriam perdidas tanto quanto suas culturas e extinto o seu povo para se adequar aos padrões exigidos pelos brancos colonizadores, a fim de beneficiar líderes anti-éticos, que não consideravam as escolhas ou desejos íntimos de seus habitantes. Além disso, a letra faz menção a vários outros aspectos sociais, sempre tendo em mente o processo de aculturação e resistência à colonização. Dentre eles, a desigualdade social que possui uma ampla desqualificação na educação, saúde, segurança, etc. Essa percepção responsiva adotada pelo eu-criador da letra tende a impactar o “outro”, a fim de despertá-lo acerca da “realidade” da exploração de toda uma nação que deve assumir o controle de suas ações e manifestar-se ativamente com relação à política tanto no nível de seu país como mundial.
Deve-se enfatizar também as performances e entoações de ambos os cantores. Na interpretação (voz) de Marisa Monte, a canção é forte e agitada, embalada pelo uso de instrumentos percussivos e cenários tribais que remetem ao Brasil e à África, o que atrai a atenção do ouvinte para um ritmo mais performático (dançante e impulsivo). Em contraposição, na interpretação (voz) de Arnaldo Antunes, a canção possui um andamento melódico mais lento, sem tanta movimentação ou modulações, mais calma, como se o ritmo apenas fosse pretexto/acompanhamento para a declamação da letra da canção, entoada como um apelo declamado/falado (o que lembra muito o intuito do RAP). Essas duas maneiras de cantar causam estranhamento e atribuem sentidos diversos para a interpretação da canção, o que remete à importância do cantor/intérprete na produção dos sentidos desse gênero discursivo.
A canção mencionada denúncia as problematizações de um período, assim como no decorrer das épocas há diversas canções que surgem para expressar ou recordarmomentos vivenciados por uma sociedade e transformam-se em registros históricos, ou seja, sãolembradas e estudadas ao longo dos anos.
Obviamente os diversos tipos de manifestações como resposta política existentes não são somente as artísticas nem tampouco as de canções, pois englobam diversificadas áreas. As manifestações estudantis, por exemplo, são guiadas, geralmente, pela busca de direitos de um povo em que se impõem ações injustas nas quais somente priorizam atender as vantagens não éticas de pessoas que estão no poder e originam, em resposta, a revolta da população.
Essas atuações contra um governo injusto são de fundamental relevância para a coletividade, como afirma Bakhtin (2003): “a vida e a arte não devem só arcar com a responsabilidade mútua, mas também com a culpa mútua”. Logo, a consciência política deve ser aguçada por e realçada em todos, pois ela torna o individuo atento aos seus direitos e deveres, o que forma um "observador da política" que pratica a reflexão sobre suasatitudes, como em exemplo; eleger representantes após uma pesquisa minuciosa sobre suas propostas futuras para acompanhar e verificar suas ações duranteo período que permanecer no cargo.
Um fato ocorrido atualmente mencionado por vários meios da mídia é o movimento estudantil para a reforma educacional no Chile. Os estudantes protestam contra o sistema das faculdades públicas e particulares chilenas serem, obrigatoriamente, pagas, o que retira a possibilidade de ensino para todos e desqualifica grande parte da população; em resultado, um grande número de cidadãos em todos os países se revoltou contra a repressão do governo e praticam atitudes responsivas para que a revolta contra o governo se intensifique e faça com que o atual presidente, SebastiánPiñera, perca sua popularidade e assuma ações justas.
Ao tomar posse de todos os aspectos aqui abordados, pode-se refletir sobre o papel fundamental das formas de expressão na política que se manifestam (assim como nos exemplos tomados da canção e do movimento estudantil) como ação fundamental existente em todos os momentos da vida. Esse ponto de vista concebe os seres humanos como criadores de suas próprias escolhas, que devem terações diárias reflexivas e utilizar instrumentos como a canção ou outras manifestações populares para a revelação de seus sentimentos internos. Desejos de uma sociedade que não deve ter líderes abusivos e sim representantes que compreendam e executem o poder da ação ética e responsável junto com, tanto quanto, o povo.

Bibliografia:
ANTUNES, A. "Volte para o seu lar". Mais. Marisa Monte. São Paulo. EMI. 1991
BAKHTIN. M. M. (1920-1974). Estética da Criação Verbal. (Edição traduzida a partir do russo). São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, Mikhail (MEDVEDEV, Pavel. N.). El método formal enlos estúdios literários. Alianza, 1994. 
BAKHTIN, Mikhail. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1997.
VOLOCHINOV. Discurso na vida e discurso na arte. Versão acadêmica traduzida por Carlos Alberto Faraco.Mimeo.

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