segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Maria Leopoldina Pereira

Pequeno exercício de responsabilidade bakhtiniana
Maria Leopoldina Pereira
LIC/UFJF
FACSUM/JF

Prólogo ou a guisa de explicação: Quando pensei num texto para o EEBA, pensei-o dentro da estética bakhtiniana, já que pretendo aprofundar meus estudos nesta área. Entretanto a vida invadiu a ciência e ao escrever ata de reunião do nosso grupo de pesquisas, pude perceber que meu texto para o evento seria aquele no qual me coloco tanto quanto pesquisadora quanto a profissional da rede municipal de Educação de Juiz de Fora e assim, o exercício de pensar as reuniões dos dias 01 e 08 de setembro de 2011. Tornou-se o texto que agora apresento aos leitores.

 [1] 


Com sol e chuva você sonhava
Que ia ser melhor depois
Você queria ser o grande herói das estradas
Tudo que você queria ser
Sei um segredo você tem medo
Só pensa agora em voltar
Não
fala mais na bota e do anel de Zapata
Tudo que você devia ser sem medo
E não se lembra mais de mim
Você não quis deixar que eu falasse de tudo
Tudo que você podia ser na estrada
Ah! Sol e chuva na sua estrada
Mas não importa não faz mal
Você ainda pensa e é melhor do que nada
Tudo que você consegue ser ou nada
Milton Nascimento
                                                                                            
Como na canção de Milton Nascimento sonhei ser heroína. Não das estradas, nem com o anel de Zapata, a bota talvez, já que meu sonho era colher café na Nicarágua (e nesse caso botas seriam bem-vindas)... Os anos se passaram, as colheitas de café nicaragüenses aconteceram sem mim, nunca mais passei pela embaixada americana no Rio de Janeiro com suas enormes vidraças que também sonhei apedrejar...  Mas não importa não faz mal, ainda penso e sonho e é melhor do que nada...
Embora possa parecer estranho aos meus companheiros de grupo, esse “rodeio” introdutório se explica pelo fato de ter deixado para a última hora a escrita desta ata, que, fato inédito desde que entrei para o grupo LIC, é uma ata para duas reuniões. E não pense o malicioso leitor que isso é uma demonstração de preguiça...  Como “deletei” de minha memória que a ata do dia 01 era minha e nossa companheira Cléia encontra-se deveras assoberbada com os cuidados com sua tese e com Pedro Henrique, as bolsistas me deram como “castigo” pelo meu esquecimento a tarefa de escrever uma ata para duas reuniões.
No dia 01 nos perdemos nos meandros da organização do EEBA, afinal, as inscrições já estavam a pleno vapor e ainda necessitávamos acertar tantos detalhes, mas mesmo assim, não fugimos à responsabilidade do diálogo teórico e iniciamos a discussão do texto de João Wanderley Geraldi, “Sobre a questão do sujeito”.
Como bem esclarece André Covre em seu texto de apresentação[2], trata-se de “um texto sobre a questão do sujeito. Direto, pontual, reflexivo, sem tentativas de definições.” E Geraldi no seu bom estilo pontual e direto já adverte no início do texto:
Ainda que este texto tenha sido escrito para um livro com estudos bakhtinianos, apresso-me a registrar que estas anotações não pretendem dizer o que realmente Bakhtin e seu Círculo disseram. Em meus estudos dos textos do Círculo procuro extrair uma forma de pensar e assumo que, acompanhando a teoria tal como a compreendi, nenhum leitor comparece aos textos desnudado de suas contrapalavras de modo que participam da compreensão construída tanto aquele que lê quanto aquele que escreveu, com predominância do primeiro porque no diálogo travado na leitura o autor se faz falante e se faz mudo nas muitas palavras cujos fios de significação reconhecidos são reorientados segundo diferentes direções impostas pelas contrapalavras da leitura. (p.133)

             Assume ainda não acreditar na possibilidade de “retraçar o que já foi dito de forma neutra, como se fosse apenas a palavra do outro que estivesse sendo dita”, pois também não possui a crença de que “ uma teoria explícita do sujeito tenha sido exposta em qualquer obra do Círculo” e que cada um de nós pode extrair “ são indicações dos lugares privilegiados pelo pensamento bakhtiniano e lidar com essas indicações segundo os interesses de nossos próprios estudos”.
            Guardadas as devidas proporções, como Geraldi, não trago aqui o que realmente pretende ele dizer “sobre a questão do sujeito”, mas compareço a este texto “vestida” de muitas contrapalavras e trazendo ainda as palavras de André Covre

O “sujeito é responsável e respondente”, porque responde e se responsabiliza, não porque é uno e racional, mas porque está sempre em diálogo, porque está sempre “em processo de ser”.
O “sujeito é consciente”, e a “consciência tem sua materialidade própria nos signos”, e “os signos somente emergem do processo de interação”; assim, “a consciência não é o ponto de partida, mas sim pontos de estadas momentâneos, incessante e ativamente instabilizados pela ação responsável”. O “sujeito é incompleto, inconcluso e insolúvel” porque: “Deste movimento contínuo entre o eu e o outro, em que vivencio minha vida de dentro e o outro me dá completude do exterior, infere-se que os acabamentos ou as identidades serão sempre múltiplas no tempo e no espaço, pois a relação nunca é com somente um e mesmo outro e a vida não se resume a um e sempre mesmo tempo.(Sobre a questão do sujeito)
O “sujeito é datado”, pois há “entrelaçamento entre passado, presente e futuro que se realizam concretamente num espaço historicizado pelo tempo”. (p.XIII)
          
Infelizmente por uma demanda cronológica, questões de tempo e agendas, nosso diálogo com Geraldi foi interrompido e deixamos para “fechar” a discussão no texto na reunião do dia 08, mas....
Com o processo de inscrições do EEBA encerrado, restou-nos uma grande questão: que fazer com as 47 pessoas que excederam as 200  vagas propostas para o evento? Como deixar de fora sujeitos que, de norte a sul do país responderam ao nosso chamado de diálogo? Como ignorá-los? Após muita discussão e com uma sensação palpável de “onde é que estamos nos metendo”, resolvemos não deixar de fora tantas possibilidades de diálogo, de palavras e contrapalavras e concordamos em aceitar todas as inscrições excedentes.
             Temos é claro a consciência de nossa responsabilidade em acomodá-las nas rodas de conversa, fazê-las se sentirem acolhidas, entre outras “cositas”... Ufa! Mas... de novo, não podemos fugir da nossa “responsividade” para com esses sujeitos.... E afinal, eu estava do lado da Maria Teresa no auditório da UFSCAR e não fiz nada para impedir que ela levantasse a mão propondo Juiz de Fora como sede do primeiro EEBA, ao contrário, mentalmente ajudei-a a erguê-la..
No meio de tanta excitação recebi a notícia de que não fui aprovada no exame de proficiência da língua inglesa para o doutorado... Pensei por alguns segundos que eu poderia afinal ter apedrejado aquelas enormes vidraças do consulado americano... Talvez se eu cedesse aos meus arroubos juvenis teria para sempre expurgado essa dificuldade que tenho em aceitar um relacionamento com o imperialismo ianque e enfim conseguir ler razoavelmente ou pelo menos para fazer uma prova de proficiência, na dura língua das terras do Tio Sam. Enfim, não o fiz e agora padeço dessa antipatia. Mas continuarei tentando, com sol e chuva ainda penso ser melhor.
Com tantos preparativos, acertos, emails, organização de comentadores, entre outros afins, Cronus retardou  nosso reencontro com Geraldi, que ficou para a próxima reunião.
Como já relatado, deixei para escrever essa ata na última hora e estou numa espécie de “ressaca moral” após o retorno de uma greve que durou 26 dias na luta pela implementação na rede municipal de Juiz de Fora do piso nacional do magistério. Vivenciei juntos com meus companheiros de categoria um ataque frontal ao direito de greve e mais uma vez a clara demonstração de que a educação neste país ainda é tratada somente como bandeira de campanha e não como direito essencial e dever incontestável do estado. Saio desse processo descrente da justiça e com somente a minha dignidade, como bem me lembrou ontem o professor Ernesto, colega de escola e participante ativo da luta dos professores da nossa rede.
Vivenciei e compreendi na arte e na luta que “devo responder com a minha vida para que o todo vivenciado e compreendido nela não permaneçam inativos” e, portanto, apesar de tudo
Não serei poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
A vida presente. 
                               Carlos Drummond de Andrade 

             Continuo pensando, sonhando, lutando e isso é melhor do que nada.
Termino essa ata reunindo os   “os três campos da cultura humana – a ciência, a arte e a vida “ a ciência de Bakhtin e Geraldi, a arte de Milton Nascimento e  Carlos Drummond e claro minha vida, pois  enquanto “ser único”,  “tudo que tenha a ver comigo me é dado em tom emocional-volitivo porque tudo é dado a mim como um momento constituinte do evento do qual estou participando”(BAKHTIN,  e afinal, “para viver preciso ser inacabado, aberto para mim - ao menos em todos os momentos essenciais - preciso ainda me antepor axiologicamente a mim mesmo, não coincidir com minha existência presente” (BAKHTIN, 2003,p.11).
Não apredejarei o consulado americano, não colherei café na Nicarágua, mas ainda preciso vencer minha resistência ao inglês, ainda preciso fazer doutorado, ainda preciso ... continuar, e isso é melhor do que nada.
          
Referências:
BAKHTIN, Mikhail, Estética da Criação Verbal; introdução e tradução do russo Paulo Bezer-
ra; prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. - 4 ed.- São Paulo: Martins Fontes, 2003.
GERALDI, João Wanderley. Sobre a questão do sujeito. In.: ______ Ancoragens – Estudos Bakhtinianos. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010. P.133-146

[1] Sede do consulado americano no Rio de Janeiro
[2] Do livro “Ancoragens- estudos bakhtinianos” de João Wanderley Geraldi, de onde retiramos o texto em discussão.

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