segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Maria Augusta H. W. Ribeiro e Luciane Parente Gramasco

Lobato e os Gêneros Discursivos Bakhtinianos
Maria Augusta H. W. Ribeiro[1]
Luciane Parente Gramasco[2]

“Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar, como morei em no “Robinson” e nos “Filhos do Capitão Grant”
(Carta de Monteiro Lobato a Godofredo Rangel, 1916)

Introdução
É através do domínio da língua que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende suas opiniões, constrói e partilha, enfim produz conhecimento. A linguagem é uma forma de interação social. Se produz linguagem tanto numa conversa de bar, quanto numa produção de texto jornalístico. A língua é um sistema de signos que possibilita ao homem significar o mundo e sua realidade.
Produzindo linguagem, aprende-se linguagem. Produzindo linguagem, produz-se discursos, que manifesta-se linguisticamente por meio de textos. O texto, então, é produto da atividade discursiva oral ou escrita, mas ele só pode ser compreendido como texto quando compreendido. Dessa forma, todo discurso se relaciona com os outros que já foram produzidos, produzindo a intertextualidade.
O emprego da língua origina-se nos diversos tipos de enunciados (orais e escritos). Para Bakhtin, cada enunciado é individual e cada campo de utilização da língua elabora seus tipos estáveis de enunciados, denominados gêneros discursivos.
Todo texto é organizado dentro de um determinado gênero e por isso, cabe salientar a sua extrema heterogeneidade. Essa heterogeneidade torna os traços gerais dos gêneros discursivos abstratos e vazios, isso deve-se ao fato deles nunca terem sido estudados anteriormente como determinados tipos de enunciados, e sim, como literatura.
É de suma relevância de atentar para a diferença essencial entre os gêneros discursivos primários e secundários. A diferença entre gênero discursivo primário e gênero discursivo secundário é que o primeiro surge nas condições da comunicação discursiva imediata. Os gêneros secundários surgem de um convívio cultural mais complexo, desenvolvido e organizado. Eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários.
A diferença entre os dois é grande e justamente por serem tão diferentes é necessário estudá-los e saber a natureza  real do enunciado em questão e das particularidades dos diversos tipos de enunciados, isto é, dos diversos gêneros do discurso. Desconhecer a natureza do enunciado e a relação diferente com as peculiaridades da diversidade dos gêneros redunda em formalismo e abstração, debilitando as relações da língua com a vida.

O que são os gêneros do discurso ?
São características peculiares a cada tipo de texto, a maneira de como ele é apresentado ao leitor e como está organizado. Esses detalhes determinam a que tipo de gênero cada texto pertence. O gênero textual é um modelo de texto, é o “jeito” específico que os textos possuem:
                uma característica específica; uma forma própria; um conteúdo definido.

Classificação dos gêneros discursivos

GÊNEROS PRIMÁRIOS: relacionam-se aos sentidos e também à oralidade.
Exemplos: Conversas; Discussões; Quadros; Fotografias; Debates.
GÊNEROS  SECUNDÁRIOS: relacionam-se à escrita.
Exemplos: Receitas; Anúncios; Manuais; Bulas; Documentos.                            

Por que  é necessário reconhecer os gêneros?
Todos os textos se manifestam sempre num ou outro gênero textual. Um maior conhecimento do funcionamento dos gêneros textuais é importante tanto para a produção como para a compreensão.
Os gêneros aguçam o conhecimento de mundo, facilitam a interpretação do texto, contribuem para a compreensão geral do texto e despertam a mente para a possibilidades de significados.

Minha dissertação
No volume “A Barca de Gleyre”, muitos dos seus planos são explicitados em vários trechos de sua correspondência com Gurgel. Desde 1912, Lobato comentava  sobre isso, mas é só em 1916 que o projeto começou a se definir:
“Ando com várias ideias . Uma vestir à nacional as velhas fábulas de Esopo e La Fontaine, tudo em prosa e mexendo nas moralidades. Coisa para crianças. Veio-me diante da atenção curiosa com que meus pequenos ouvem as fábulas que Purezinha conta. Guardam-nas de memória e vão recontá-las aos amigos – sem, entretanto, prestarem nenhuma atenção à moralidade, como é natural. A moralidade nos fica no subconsciente para ir se revelando mais tarde, à medida que progredimos em compreensão. Ora, um fabulário nosso, com bichos daqui em vez dos exóticos, se for feito com arte e talento dará coisa preciosa. As fábulas em português que eu conheço, em geral traduções de La Fontaine, são pequenas moitas de amora do mato espinhentas e impenetráveis. Que é que nossas crianças podem ler? Não vejo nada. Fábulas assim seriam um começo da literatura que nos falta (...) É de tal pobreza e tão besta a nossa literatura infantil, que nada acho para a iniciação de meus filhos ...”

Após alguns livros e muitos artigos depois, Lobato confidenciou-se, em 1916, ao amigo Rangel: “De escrever para marmanjos, já enjoei. Bichos sem graça, mas para as crianças, um livro é todo um mundo.”
Foi no Natal de 1920 que Lobato lançou “A Menina do Narizinho  Arrebitado”, com capa ilustrada e cartonada, formato 29X22 cm, 43 páginas e desenhos de coloridos de Lemmo Lemmi, mais conhecido por sua personagem Voltolino, ( caricaturista, ilustrador e desenhista brasileiro). Nessa obra o autor deu origem à Lucia, mais conhecida como a Narizinho do Sítio do Picapau Amarelo e à Emília, sua inseparável boneca de pano feita por Tia Nastácia. E assim nascia “A Menina do Narizinho Arrebitado”:
Em 1931, Lobato lança “Reinações de Narizinho”. Composto por onze capítulos, com 306 páginas e com ilustrações de Jean G. Villin. Lobato escreveu em outubro de 1931, ao amigo Rangel:
“Tenho em composição um livro absolutamente original, Reinações de Narizinho – consolidação num volume grande dessas aventuras que tenho publicado por partes, com melhorias, aumentos e unificações num todo harmônico. Trezentas páginas em corpo 10 – livro para ler, não para ver, como esses de papel grosso e mais desenhos do que texto. Estou gostando tanto, que brigarei com quem não gostar. Estupendo, Rangel!”

Em 19 de dezembro de 1931, no Estado de São Paulo, Plínio Barreto  o julgou bem sucedido:
“(...) Páginas alegres, ágeis e sadias, leves e delicadas, ricas de substância de vida, são Reinações de Narizinho, a melhor festa para as crianças que vivem horas felizes, entretidas com esse feiticeiro animador de ilusões, artista e educador a um tempo, que, conseguindo fazer-se amar das crianças, faz com que elas comecem, por ele, a amar os livros.”

“É em Reinações que se apresenta, se caracteriza e se firma o núcleo lobatiano – Dona Benta, Narizinho, Tia Nastácia, Emília, Rabicó, Pedrinho, Visconde de Sabugosa – e se estabelece o Sítio do Picapau Amarelo como espaço das histórias, a partir do qual as personagens partem para viver suas aventuras”, como afirma BERTOLUCCI (2008, p.191). E o grande elo de toda essa trama em Reinações, é Narizinho que participa de todas as histórias.
Lobato estabeleceu  o Sítio do Picapau Amarelo como espaço para suas histórias, e é de onde as personagens saem para viver suas aventuras e onde sempre voltam, existindo sempre a possibilidade do leitor retornar às histórias e de desenvolver sua própria sequência.
Lobato contextualizou sua obra numa grande narrativa baseando-se em  diversas leituras. Ele fez uso delas com perfeição, sem deixar a obra entrecortada. Escreveu baseando-se nos diversos gêneros que se apropriou ao longo da sua vida, amarrando numa grande narrativa por qual permeia toda a história, o qual consistiria num dialogismo, segundo Bakhtin.
             Lobato produziu sua linda colcha de retalhos com pedaços coloridos de tecidos, como diz RIBEIRO ( 2002 ). Cabe, em minha dissertação, analisar esse dialogismo presente em sua obra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKTHIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.  
 ___________.  Para uma filosofia do ato responsável.  (Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco). São Carlos: Pedro  & João editores, 2010.
CAVALHEIRO, E. Monteiro Lobato: vida e obra. São Paulo, Nacional, 1956. São Paulo,1994.
FIORIN, J.L. O dialogismo. In: Introdução ao Pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006. P.18 -59.
 LOBATO, M. A Menina do Narizinho Arrebitado. São Paulo: Brasiliense, 1982. Fac-símile da 1ª edição de 1920 da Monteiro Lobato & Cia. 
___________ .Reinações de Narizinho. São Paulo: Brasiliense, 1973. 
LUDKE, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. EPU. São Paulo, 2005. 
MICOTTI, M.C.de O. (org). Alfabetização:entre o dizer e o fazer. UNESP. São Paulo, 2001, p-85-100.
Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Fundamental de 1ª a 4ª ´series, volume II, Brasília:MEC/SEF, 1997.
RIBEIRO, M. A. H. W. (coord.). Guia de Leitura de Reinações de Narizinho. Rio Claro: Instituto de Biociências, UNESP, 2002. Projeto do Núcleo de Ensino.


[1] Profa Dra da UNESP/Rio Claro.
[2] Professora da Rede Particular de Ensino do Município de Rio Claro, Mestranda em Educação- UNESP de Rio Claro, membro do GEGE/UFSCar.

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