segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Hannah Moreira Ferraz de Lima

Café com pão de queijo: Uma conversa entre Mikhail Bakhtin e Renato Russo
Hannah Moreira Ferraz de Lima[1]

Disseram-me que me constituo a partir de um processo de interação com o outro. Disseram-me também, que este outro possui um excedente de visão sobre mim, que não consigo perceber em meu reflexo no espelho. Continuaram a me contar que o diálogo é a linguagem sendo formada e transformada em palavras e contrapalavras. Aprendi ainda, que para tudo existe um ato de resposta meu, uma responsividade quanto à vida e à sociedade. Bakhtin me contou tudo isso e dentre tantas outras coisas que ainda posso aprender, encontro-o me contando que tudo que pode ser feito por mim será feito por mim somente. Ninguém mais poderá fazê-lo e eu respondo a isto com meus atos.
E quando penso nas canções de Renato Russo, líder do grupo musical Legião Urbana, vem-me à memória a canção L’AVVENTURA,
“Quando não há compaixão ou mesmo um gesto de ajuda, o que pensar da vida e daqueles que sabemos que amamos? Quem pensa por si mesmo é livre e ser livre é coisa muito séria”. (Legião Urbana, 1992)

Ser livre requer de nós prudência e constância. Renato nos diz que não podemos olhar para trás sem aprendermos alguma coisa para o futuro. Estamos sempre ouvindo e falando com nosso outro e tentando livremente exercer atos corretos que não tornem o amor algo banal. E como um ser livre que era, Renato escreveu acerca da sociedade em que vivia, em uma época não muito diferente da atual, na qual os indivíduos já eram levados pela corrente desigual do capitalismo,
“[...] Nossa vida não é boa e nem podemos reclamar. Sei que existe injustiça, eu sei o que acontece. Tenho medo da polícia, eu sei o que acontece. Se você não segue as ordens, se você não obedece e não suporta o sofrimento está destinado à miséria. Mas isso eu não aceito. [...]” (Legião Urbana, 1992)

Na citação acima ele já dá sua resposta dizendo de sua não aceitação e instigando seu outro a não aceitar também esse destinar-se à miséria. Ele trata a realidade como complexa, mas possível de mudar apesar de qualquer dificuldade. Em “Fábrica” (1986) ele exerce a função de otimizar a relação social trabalhista desses indivíduos ao dizer,
“[...] Nosso dia vai chegar, teremos nossa vez. Não é pedir demais: Quero justiça, Quero trabalhar em paz. Não é muito o que lhe peço – Eu quero trabalho honesto em vez de escravidão [...]” (Legião Urbana, 1986)

Renato chama não só a mim, mas a todos os seus interlocutores a pensar e a re-pensar as políticas estabelecidas no Brasil quando diz que somos responsáveis pela Nação, cobrando-nos responsabilidade. Falamos com Renato e o ouvimos, em uma troca de enunciados e contrapalavras que nos obriga a responder acerca de nossos atos perante à vida e ao nosso meio social.
Quando Renato questiona quais são as palavras que nunca são ditas na canção “Quase sem querer” (1986), está indiretamente conversando com Bakhtin, quando o filósofo diz que,
“A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009, p.113)

Logo, as palavras nunca deixam de ser ditas, porque passam de mim para meu interlocutor e de meu interlocutor para mim, em um processo dialógico. Toda e qualquer palavra já foi dita por alguém e já teve sua contrapalavra. É assim que nos constituímos enquanto seres sociais.
Nas letras poetizadas de Renato ainda achamos muito de Bakhtin, quando este fala, também na canção “Quase sem querer” (1986), que não é mais criança e por isso não sabe mais sobre tudo Ora, não é isso que Bakhtin nos ensina? Que nunca sabemos e nunca saberemos tudo? Que não somos, mas que estamos sempre tentando ser? E ser requer constituição e constituição requer interação, dialogismo, o contato com meu outro, com seu outro.
Nas canções de Renato Russo, encontro tristeza, solidão, amor e denúncia Muita denúncia contestando a rua, o outro, o mundo. Ele desafiou as políticas do país com “Geração Coca-cola” (1984), “Que País é este” (1987) e tantas outras. Enquanto isso, e relacionado às canções, temos o fato de que, para Bakhtin, a denúncia à realidade é vista como uma atividade que se transforma com a sociedade,
“O ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata. O que é que determina esta refração do ser no signo ideológico? O confronto de interesses sociais nos limites de uma só e mesma comunidade semiótica, ou seja: a luta de classes”. (BAKHTIN/ VOLOCHINOV, 2009, p.46)

Termino então esta conversa questionando que País é este em que não se respeita a constituição e ao mesmo tempo se acredita no futuro da Nação. Este País em que profissões são desvalorizadas e em que as políticas públicas são falhas. Onde estamos com nossa resposta? Onde estamos com nossa luta? Lutamos? Qual é então a sua ideologia e qual será a minha?
“[...] A humanidade é desumana, mas ainda temos chance. O sol nasce pra todos, só não sabe quem não quer. (...) Até bem pouco tempo atrás poderíamos mudar o mundo. Quem roubou nossa coragem? [...]” (Legião Urbana, 1989)

Referência
BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo; Hucitec Editora, 2009.
As Quatro Estações – Legião Urbana, 1989.
Música para Acampamentos – Legião Urbana, 1992.
Dois – Legião Urbana, 1986.


[1] Bolsista de Iniciação Científica BIC/UFJF e integrante do Grupo LIC – Linguagem, Interação e Conhecimento, coordenado e orientado pela Prof.ª Dr.ª Maria Teresa de Assunção Freitas.

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